No capítulo 9 do Evangelho de Mateus (v. 8 ), há um problema textual fascinante.
Depois de Jesus ter curado o paralítico com a afirmação de que Lhe é lícito «perdoar os erros» da humanidade, como reagiram as pessoas à sua volta?
Sentiram medo (em grego, ephóbēsan – ἐφοβήθησαν), como se lê nos manuscritos mais antigos do Novo Testamento?
Ou sentiram admiração (ethaumasan – ἐθαύμασαν), como se lê na maioria dos manuscritos de Mateus?
É assustador que Jesus perdoe os nossos erros? Ou é admirável?
Na tradição convencional do cristianismo ortodoxo, o facto de Jesus perdoar os nossos erros não é assustador; é admirável. Por isso lemos, na tradução de João Ferreira de Almeida, que as pessoas «se maravilharam» perante a capacidade de Jesus perdoar os erros.
No entanto, na minha tradução lê-se que as pessoas «tiveram medo». Pois é isso que está no Codex Sinaiticus, no Codex Vaticanus, e no Codex Bezae – os mais antigos manuscritos que nos transmitem o Novo Testamento praticamente completo. Na Vulgata, note-se, lemos correctamente «timuerunt».
Qual será o medo de haver Alguém que, em vez de contabilizar os nossos erros como prova de acusação contra nós, simplesmente os manda embora (pois é isso que significa literalmente a expressão que costumamos traduzir por «perdoar»: em grego, o infinitivo ἀφιέναι e, em latim, o gerúndio: «filius hominis habet potestatem in terra DIMITTENDI peccata»).
Se confiarmos em Jesus, os nossos erros serão simplesmente mandados embora. Que medo pelo facto de, afinal, não termos de sentir medo!
Mas que bela razão, ao mesmo tempo, para glorificarmos a Deus, «que dá uma tal autoridade aos seres humanos» (Mateus 9:8: em latim, «qui dedit potestatem talem hominibus»).
Na imagem: o episódio visto por Murillo.

O estudo bíblico usando os idiomas originais abre inúmeras perspectivas. Excelente texto. Parabéns!
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O mérito é todo do Professor Frederico Lourenço, que é o autor do texto. 🙂
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“Que medo pelo facto de, afinal, não termos de sentir medo!” Isso é libertador! Mas uma liberdade que assusta por não se saber ainda lidar com ela. Fomos ensinados a “temer” a Deus, mas Deus é amor e o amor liberta. ♥
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Exatamente tudo isso. Obrigado pela sua visita e por seus comentários. 😊
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Acho que há uma coisa nova no perdão de Cristo. Contraria o princípio Bíblico do “olho por olho, dente por dente”. O perdão foi introduzido por Cristo? Não, ele só interpretou as Escrituras de forma diferente. Só isto é motivo de espanto aliás acho que o melhor termo que as traduções da Bíblia apresentadas não mostraram é esse. Pathos, paixão. Espantar-se é a capacidade de se afetar com as coisas. Disse Platão:
“É verdadeiramente de um filósofo este
pathos (paixão ou espanto), pois não há outra
origem e predominância dentro da filosofia”
Platão, Teeto
Sendo Jesus um Rabino, é de espantar que Ele venha falar em “Perdão”. “Como assim? Perdoar nossos inimigos, perdoar os Romanos?” Perdoar nada, os judeus queriam sangue, só o sangue redimiria e redimiu este ódio fomentado pela lei Romana. Assim foi a destruição de Jerusalém em 70 DC e a destruição da resistência Judaica em 130 DC. Não houve outro caminho além de aceitar o jugo do mais forte, e….perdoá-lo.
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E é por isso que, cerca de 2000 anos depois, Cristo ainda está entre nós. E que assim seja para todo o sempre! 😊
Obrigado pelos comentários!!!
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Que texto maravilhoso! Eu estava precisando ler isso. Obrigada
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O mérito é todo do professor. Ele escreve textos maravilhosos! ❤️
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