Aos trancos e barrancos
Encontrei meu canto
Enquanto meu pranto
Meio que por encanto
Explodiu em sorrisos.

Aos trancos e barrancos
Encontrei meu canto
Enquanto meu pranto
Meio que por encanto
Explodiu em sorrisos.
Entrego-me a teus carinhos de sempre,
Que hoje me tocam como nunca.
Deixa-me repousar em teu ventre,
Com teus dedos em minha nuca.
Livra-me do mal que me espreita,
Cuja dor parece que não caduca.
Rogo tão só a tua presença,
Para que eu não me afogue em alguma reles baiuca.
E no final,
O rastilho falhou.
Dizem que foi obra
De Nosso Senhor
E disso eu não duvido.
Nada explodiu,
Ninguém morreu –
Doeu, mas já passou –
Que fim tudo levou?
Eu não sei
E só quando sei
É que digo.
Talvez haja explicação –
Talvez não –
Mas se esta existe,
Não está de bem comigo.
Vou ser mesmo é trovador
E falar por aí do amor,
Daqueles que ninguém
Nunca sentiu
Ou nem mesmo falou,
E que toda noite,
Invariavelmente,
Dorme comigo
E serve-me de abrigo.
A arte não pode ser silenciada,
Porque o amor urge e grita,
E a vida,
Tão passageira e efêmera
Quanto parece ser,
Está sempre em chamas.
O que eu nego que me aconteça,
Ainda assim não deixa de me acontecer.
E o que eu sinto –
E que só eu sei que verdadeiramente sinto,
Quer seja por anos ou instantes –
Está além de censura
E de toda e qualquer opinião.
Eu existo.
Parece-me o bastante.
Resta me tudo, então:
Apenas viver.
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico…
Esta espécie de alma…
Só depois de amanhã…
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte…
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã…
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã…
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância…
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital…
Mas por um edital de amanhã…
Hoje quero dormir, redigirei amanhã…
Por hoje qual é o espectáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo…
Antes, não…
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã…
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã…
Sim, talvez só depois de amanhã…
O porvir…
Sim, o porvir…
Dizem que os passarinhos,
Em suas gaiolas frias e apertadas,
Cantam porque estão tristes.
Eu já penso que não.
Eles cantam, cantam e cantam,
Porque ninguém consegue
Aprisionar ou calar neles a esperança
De que haverá melhores dias.
Guarda-me dentro de ti
Porque é só dentro de ti
Que eu (r)ex(s)isto.
Se perdoe, vai…
Se perdoe e vá.
Pois a vida é curta
E o tempo é breve.
Mas as memórias e os sentimentos,
O calor e a cor dos momentos,
As nuances dos tempos,
São perpétuos
E transcendem jazigos perpétuos.
Se perdoe, vai…
Você merece.
Simplesmente vá.
Fascinam-me os pássaros,
Flutuando ao lado da ponte
Sem precisar bater suas asas
À mercê da magia do vento.
Fascina-me a ponte
Que serve de refúgio aos pássaros
Imponente diante da paisagem
À mercê da magia do tempo.
Fascino-me eu comigo,
Diante dos pássaros e da ponte
Diante do vitrificado horizonte
À mercê de Deus adiante eu sigo.