Água

O dia nublado não me impediu de andar. O suor escorria pela minha face e fazia com que meus olhos queimassem como se estivessem literalmente em chamas. Sede. Máscara. Quiosques fechados. O calçadão da Praia de Icaraí definitivamente havia mudado. “Até quando? Será que algum dia tudo será como antes?”, eu me perguntava, e entretido nessas e em outras tantas perguntas, muitas delas sem resposta, eu continuava a andar.

Sem me dar conta, percorri 12 Km. Andar é meu vício. Acabei ficando com sede. Eu precisava beber alguma coisa. Água de coco era o meu desejo, mas onde comprar? Fui até uma lanchonete só para me dar conta que havia esquecido meu cartão de crédito em casa. “Merda!”, pensei. E agora?

O prédio dela era do outro lado da rua, mas aparecer sem avisar parecia arriscado. Resolvi usar meu telefone celular para cumprir o seu propósito original: telefonar.

– Sabe o que é? Estou com sede e em frente a sua casa. Esqueci meu cartão de crédito em casa… – disse eu meio sem jeito, só para ser interrompido.

– O velho golpe do cartão de crédito… Deixa de frescura e sobe! – disse ela às gargalhadas. Não me contive e ri também. Inevitável.

Entrei no elevador e me dei conta que, além de tudo, estava completamente descabelado, mas enfim… Já não tinha mais jeito. Eu precisava mesmo era de algo para beber e com certeza também de um banho! Tinha me esquecido desse “detalhe”.

Toquei a campainha e esperei um pouco. Nada dela atender. Toquei de novo, e percebi que a porta estava entreaberta. Novamente me flagrei no ritual do tirar o tênis, tirar a máscara, passar álcool em gel nas mãos, deixar o álcool em gel cair no chão, deixar o telefone cair no chão, passar álcool em nas mãos novamente… Essa pandemia realmente tinha deixado o básico do elementar muito mais difícil.

Entrei procurando-a. Ela me deu um susto! Estava atrás da porta, sorrindo, enrolada em uma toalha branca.

– Eu estava indo tomar banho quando você me ligou. Está aqui sua água. – disse-me ela com um sorriso aberto, enquanto estendia sua mão para me oferecer um copo cheio de água gelada. Uma mulher linda, me oferecendo um copo de água enrolada na toalha… Miragem no meio do deserto? Não. Era real. Estava acontecendo.

– Não quero atrapalhar… Vá lá tomar seu banho. – falei enquanto mirava o teto, completamente maravilhado com o prazer de um simples copo d’água.

E, de repente, ela cutucou minhas costas. Não disse nenhuma palavra. Apenas me cutucou. E quanto eu me virei para trás, não havia mais toalha. Ela estava nua. O sorriso continuava estampado em seu rosto. Apenas me estendeu a mão e disse:

– Estranha coincidência… Parece que você também está precisando de um banho! – e foi me guiando até o banheiro, enquanto eu reparava nas suas curvas. Havia um gingado, um algo diferente. Ela é muito sensual. Eu tenho certeza de que ela tem certeza disso.

Fui me despindo sem pressa. Ela dentro do box, de porta aberta, já com parte do corpo molhado, e eu em busca de uma pasta de dentes ou algo assim. Havia Listerine em cima da pia! Minha salvação! Ela riu alto com meu gesto inusitado.

– Sempre pensando nos detalhes… – ela me disse ao me puxar para dentro do box.

– Mas não são os detalhes que fazem toda a diferença? – respondi já com minhas mãos passeando pelo seu corpo. A resposta dela foi breve e veio no pé do meu ouvido, quase que como uma confissão:

– Safado…

O banho não foi muito rápido. Até porque começou como banho e virou algo mais. Muito mais. E continuou no quarto, o que eventualmente nos levou de volta para o banheiro, para só então irmos para a sala. Terminei como cheguei: com sede. Tive que pedir outro copo d’água.

Decidimos também pedir uma pizza. Eu efetuei o pedido por um aplicativo. Obviamente, a sacana teve que me perguntar se eu iria dizer novamente que esqueci o cartão de crédito em casa para ela pagar a pizza… Tivemos uma crise de risos. Foi difícil, mas conseguimos escolher a pizza: Zucchine.

Arrumamos a mesa (mentira – ela arrumou), e foi o tempo certinho da pizza chegar. Falamos sobre a vida, sobre alguns de seus processos, sobre minha vida louca de consultor, e não pude deixar de perceber o quão atenta ela estava ao que eu dizia. Ela fazia questão de ouvir palavra por palavra. E eu pagava na mesma moeda, claro, até porque ela realmente falava coisas muito interessantes. Não era um favor ouvi-la. Ela é uma especialista na sua área de atuação.

– Escuta… Você me diverte, sabia? Você vai do papo descontraído ao sério em segundos… Me olha nos olhos. Fala com desenvoltura. Você é bem diferente do que se encontra no mercado… – disse ela com um sorriso disfarçado.

– Sinceramente? Há muitos como eu. É só saber onde procurar… – disse eu diante de tantos elogios explícitos, quase que sem graça.

– Esse tipo de coisa a gente não procura. A gente simplesmente acha. – E me deu uma piscada enquanto se levantava para levar os pratos até a pia, usando apenas uma camiseta branca de algodão. Básica. Chique. Na dela.

Fiz questão de lavar os pratos (odeio lavar louça!). Fomos para o sofá. Barriga cheia, uma brisa agradável. Ela queria terminar de ver Dark, e eu já tinha desistido da série há tempos! Não disse isso, claro. Apenas adormeci na base do cafuné.

Antes de ir embora, tomamos um café. Ela acabou confessando que Dark a estava deixando entediada, mas que “iria ver até o final para poder criticar com propriedade”.

Perguntei se ela queria mais pizza. Eu queria. Enquanto eu esperava o Uber, peguei mais uma fatia com uma toalha de papel. Antes de sair, dei um abraço demorado e um beijo nela, e perguntei:

– Se eu tiver sede novamente, sem cartão de crédito, perto de sua casa, posso voltar outro dia?

– Sede ou fome. Eu sou muito caridosa! – e explodimos em uma gargalhada que ecoou pelos corredores do edifício.

Deliberadamente

Sou um náufrago

Tu és meu mar

Estou a tua inteira mercê

Que tudo decidas para onde me levar

 

Seja longe ou perto

O destino já é incerto

Sobreviver já seria muito

Viver, então, algo fortuito

 

Não me resta mais nem esperança

Esta é sempre  a primeira que morre

Peço que sejas amável, porém

Enquanto sangue dentro de mim ainda corre

 

Mas estarei feliz

Se dessa vida eu me for

Partirei deliberadamente afogado

Inundado pelo teu amor.

mulher nua chuva

Haja toalhas!

Não sei se sabes…

Mas dizem que quanto mais se corre da chuva

Mais a água insiste em nos molhar

 

Já dizia o ditado popular:

“Quem está na chuva é para se molhar”

 

Que fiques molhada, então

Bem molhada

De maneira alguma irei te enxugar

Pelo contrário

No que depender de mim

Teu corpo inteiro vai molhar-se de pingar

 

Que tu escorras em mim

Gota a gota

Simples assim.

MULHER DA CHUVA