Deserto de sal

Admito que não foi fácil.

Havia tantas histórias,
Tantas memórias,
E tudo o que eu mais tentava esquecer
Era justamente tudo que me fazia lembrar.

Aprendi que tentar esquecer
É o mesmo que reconhecer
Que algo é inesquecível.

Desisti.

Vez ou outra,
As lembranças ainda me chegam
Feito ondas do mar,
Que me molham da cabeça aos pés.
Vejo-me em mergulhos profundos no que já fui,
Mas que a vida disse para eu não mais ser.

Talvez um dia o mar seque.
Talvez um dia tudo seque.
Já lamentei tudo isso,
Mas talvez tenha que ser assim:
Um deserto de sal,
Com toneladas e toneladas de sal despejadas
Por mãos que nunca pertenceram a mim.

Mais do que um trago

Algumas são únicas

Algumas são inesquecíveis

E algumas são apenas algumas

 

E as que não são algumas

As que são intensamente umas

Dessas não me esqueço –

Nem disfarço

 

Quer seja na garrafa suntuosa

Na nudez transparente do copo

Ou no detalhe fulgurante do trago

Destes rios me embebedo

Rios que sorvo sem pressa

Rios nos quais inevitavelmente deságuo

 

Dai-me agora mais uma –

Não alguma! –

Para que a minha sede se aplaque

Posto que estou em meio a um deserto

E tudo que eu achava que era certo

Dentro de mim já não cabe.

Deserto de sonhos

Silêncio!

Consigo ouvir as areias do tempo

Escorrendo por entre meus dedos

Sou uma ampulheta viva

E sei que a areia que se esvai

Tem rumo certo:

O deserto onde empilham-se

Todos os sonhos

Que jamais realizei

Onde serpentes e insetos

Consomem cadáveres insepultos

Que na morte procuram nexo.

MORRAM, SONHOS!

MORRAM!

Besouro-do-Deserto