– Então… O que você vai fazer hoje?
– Nada… Eu ainda estou no consultório – a voz dela demonstrava uma profunda irritação – Mas por quê?
– Eu ia te chamar para dar uma volta…
– Nem pensar! Tenho que terminar isso ainda hoje. Estou ficando irritada! Eu odeio o Excel!
– Acho que eu posso te ajudar com o Excel. Topa? – a pergunta dele foi sincera, extremamente sincera.
– E por que você faria isso? – ela perguntou risonha, mas ao mesmo tempo em tom desconfiado.
– Faz o seguinte… Fecha tudo aí e vai para casa. Eu peço alguma coisa para jantar e te ajudo com o Excel. Pode ser?
Apesar de ter concordado, na cabeça dela a oferta tinha sido minimamente estranha. Afinal de contas, não se conheciam há muito tempo. O único objetivo possível por detrás da oferta dela era uma noite de sexo e nada além disso. Decidiu pagar para ver. “Será que não fui clara quando disse que estava ocupada?”
Chegando em casa, ela tomou o seu banho, passou um perfume básico, e abriu seu notebook em cima da mesa. Uns 15 minutos depois, ele chegou.
Deu um abraço apertado nela e perguntou o que ela gostaria de comer. Decidiram pedir um hambúrguer artesanal com Coca Zero. Enquanto esperavam, ele se sentou ao lado dela e começou a perguntar da planilha.
– Então… O que você quer fazer?
– Eu quero fazer uns gráficos para um estudo que tenho que apresentar… Não estou conseguindo…
E começaram a trabalhar juntos na planilha. Ele parecia legitimamente interessado. Falou de recursos do Excel que ela nem conhecia e aos poucos os gráficos foram saindo.
Passados uns 40 minutos, o pedido do Uber Eats chegou. Ela começou a colocar a mesa e ele a interrompeu, dizendo que não era necessário e que eles tinham que comer rápido para terminar o trabalho.
– O que deu em você para vir aqui me ajudar? – ela perguntou casualmente antes de dar uma mordida no hambúrguer.
– Sei lá… Eu queria te ver – ela percebeu sinceridade nos olhos dele.
– Pensei que só fossemos nos ver nos bares da vida… – havia um certo tom de deboche na pergunta dela. Ela tinha a nítida sensação de que era apenas mais uma das aventuras dele.
– Que nada… Não dá para ir ao bar todos os dias e muito menos beber sempre – a voz dele era serena, segura, tranquila.
“Há algo acontecendo aqui e eu não estou me dando conta. O que ele quer, afinal?”, se perguntou.
Após o jantar, lá pelas tantas, terminaram a bendita planilha. Ele mostrou para ela que poderiam fazer algumas melhorias, mas ela disse que já estava bom o bastante, e que ele não precisava mais se preocupar.
– Bom… Você deve estar querendo ir dormir… É melhor eu ir embora… – ela já falou se levantando da cadeira.
– Senta! – a voz dela saiu firme, tal como uma ordem – Me explica o que está acontecendo!
– Nada… Eu só senti saudades… – os olhos dele olhavam fixamente para ela de maneira cândida.
– Você com saudades? Não estou acreditando… Quem é você, afinal? Pareceu tão confortável no bar…
– No bar é mais fácil, né? Sem compromisso, sem expectativas, sem promessas… – seus olhos miravam o chão.
A conexão com as palavras dele foi imediata. “Eu sei bem como é isso…”, pensou. Então, se levantou e foi para a cozinha. Fez um chá para os dois. Ela ligou a TV e pediu para ele ficar mais um pouco. Ele aceitou. Ela dormiu no seu ombro. Ele não queria acorda-la e permaneceu imóvel enquanto assistia uma reprise do último GP de F1.
De repente, meio que assustada, ela acordou.
– Você ainda está aqui? – perguntou incrédula.
– Sim… Eu não queria te acordar… Agora eu vou indo…
– Não! – novamente, a voz dela saiu firme, tal como uma ordem – Já está tarde… Dorme aqui… Amanhã você vai.
Ele balançou a cabeça e pediu para tomar um banho. Quando saiu, ela já estava dormindo. Se ajeitou ao lado dela como pode e dormiu profundamente.
Acordaram às 06h00 e tomaram um café da manhã rápido. Na saída, enquanto se despediam, ela perguntou:
– Nos vemos mais tarde?
Ele ficou surpreso. Meio sem graça, apenas sorriu e anuiu com a cabeça ao convite. Ela o segurou pela camisa, deu um beijo rápido na sua boca e disse:
– Eu quero conhecer mais deste cara que você esconde aí dentro. Vai me mostrar quem você realmente é?
– Eu topo! – disse ele sorrindo e de maneira bem mais relaxada. Era como se ela tivesse retirado um peso imenso de seus ombros.
E foram em direções opostas da cidade. Apesar de seus receios, ele sentia que havia chegado a hora de se abrir para o mundo novamente. Precisava tentar. Ela, por sua vez, ficou curiosa ao extremo por conta da dualidade que ele havia demostrado. “Quem seria ele, afinal?”
Passaram o dia pensando um no outro e torcendo para que a noite chegasse logo. Ainda havia muito para se descobrir, muito para se conversar. A vida precisava continuar.
