Escrito para a minha mãe e entregue no Dia das Mães de 2005. É minha história. Minha vida.
– Concepção
Anda… Não pára!
Você tem que ser o primeiro!
Você precisa chegar lá!
Você se preparou a vida inteira para isso…
Vai morrer na praia, ou melhor…
Vai morrer aí dentro?
Se fosse na praia, tudo bem…
Mas aí? É escuro, úmido…
Não está com medo?
Portanto, corre!
Deixa esse povo todo para trás e mostra do que você é feito!
E assim foi. Se esse espermatozóide não tivesse ouvido as palavras de incentivo que a vida gritava incessantemente para ele, eu não estaria aqui. Talvez até estivesse, mas possivelmente não me chamaria Fábio. Talvez tivesse vindo de outra forma, através de outra pessoa… Enfim… No dia da corrida inaugural e derradeira desse espermatozóide nada errante, eu venci, minha alma venceu.
E aqui estou eu. Sou o resultado desse processo vitorioso. Eu nasci de uma vitória. Uma vitória do amor de meu pai e de minha mãe, uma vitória da vida… Acima de tudo, uma vitória de Deus.
Minha vitória também, é claro. Eu sou eu justamente porque havia um espermatozóide abusado, resistente e valente, que rompeu os labirintos viscerais de minha mãe, sem auxílio de GPS, e encontrou o seu alvo. E fez amor, fez vida, fez paz, fez luz, me fez…
Lançou dentro de minha mãe os ingredientes de um protótipo explosivo, único, exclusivo, que foi amado com todas as forças do mundo desde seu primeiro momento, pois era fruto de um projeto maior de vida, de amor.
E foi assim que me conceberam. Tudo isso se fez necessário para eu nascer. Esse é o princípio da história de minha vida. E por mais que tudo isso pareça uma repetição cotidiana, é justamente nos pequenos detalhes de minha existência que eu consigo perceber que não vim ao mundo simplesmente para ser mais um.
– Nascimento
Essa mania louca dos espermatozóides de andarem correndo subiu para a minha cabeça. Eu já era um ser apressado antes mesmo de nascer! Obviamente, tive que vir ao mundo com apenas 7 meses de gestação. Eu acho que tinha medo do escuro, não sei… Ou simplesmente estava querendo passar o Natal nos braços de minha mãe. Cheguei em dezembro de 1971, mais precisamente no dia 7. Eu me esqueci de olhar no relógio, mas creio que eram umas 8 e 15 da manhã.
Não sei se meu pai fumou um charuto logo após minha chegada, mas sei que minha mãe se apaixonou por mim logo de cara. Era tanto amor que eu me sentia absolutamente irresistível! Sei disso porque sinto esse amor incondicional até hoje, bem pertinho de mim, até mesmo quando ela está longe… Sei disso porque eu não seria metade do que eu sou se a minha chegada ao mundo não tivesse sido dessa maneira.
E ainda no hospital, aquela coisinha pequenininha (sim, eu já fui pequeninho!), frágil e indefesa preencheu o coração de minha mãe de tal forma que ela nunca mais foi a mesma. Daquele dia em diante, dia 7 de dezembro de 1971, a Sra. Ocirema Maria das Graças Soares Nogueira finalmente se fez mãe e alcançou a plenitude de sua vida como mulher.
Eu nunca vou ser mãe (lamento!), mas deve ser uma sensação incrível. Tenho certeza de que todo homem de verdade deveria ser mãe pelo menos uma vez na vida. Parto normal, é claro, para nós homens tomarmos vergonha antes de reclamar de uma simples dor de dente…
Falando nisso, como não invejar o dom de dar a luz a uma criança? Como não invejar a capacidade de criar vida? Como não invejar o dom maior de ser aquele que escolhe quem vai vir ao mundo ou não (o aborto existe, apesar de ser ilegal)? Como não invejar o dom de ser mãe? Eu não sei, eu não sei…
E assim foi. A minha mãe, então, se fez mãe e aqui estou eu. É óbvio que não posso falar muito de meu nascimento… Mas eu estava lá… Eu juro!
– Minha infância
Dizem que eu era bem quietinho, mas isso me parece ser uma grande mentira. Tenho várias cicatrizes pelo corpo, já derrubei um litro de leite fervente em minha perna e entrei em coma quando eu tinha 6 meses, fruto de um processo alérgico desencadeado pela administração prematura de leite de vaca. Alguns amigos dizem que foi meu primeiro (e único, eu juro!) coma alcoólico. Prefiro achar que não.
Vale a pena falar mais sobre isso… Dizem que o pediatra que tomava conta de mim (ou que fingia que tomava) me desenganou para minha mãe. Como eu estava em coma, não tive a oportunidade de xingá-lo (sim, eu tive essa oportunidade anos depois!), mas fato é que minha mãe não se deu por vencida e chamou um outro médico. Ou melhor, hoje sei que ela chamou simplesmente um médico que sabia o que estava fazendo. Cerca de 12 horas depois eu já estava acordado. Eu vi o túnel, vi a luz, mas preferi voltar para os braços de minha mãe. Definitivamente a minha hora ainda não tinha chegado.
Eu era tão inteligente, tão inteligente, que repeti o 3º período duas vezes. Eu não conseguia entender naquela época o porquê das pessoas precisarem escrever, uma vez que eu já tinha decorado os nomes de todos os bichos de meu zoológico de plástico. Eu sabia o nome das cores também! Sabia contar de 1 a 10! Sinceramente… Quem em sã consciência precisa de mais do que isso (penso assim até hoje)?
Ganhei um irmão nessa época. Felipe Ottolini. Dia 19 de agosto de 1976. Eu sabia que ele tinha vindo de dentro da barriga de minha mãe, mas não fazia a menor idéia de como ele havia entrado! Entretanto, eu achava mais importante ter um irmão do que conhecer os mistérios da natureza…
Antes de o Felipe chegar, houve uma outra tentativa… Seria Bruno o nome dele. Bruno Ottolini. Infelizmente, quando minha mãe estava no sétimo mês de gestação, ocorreu uma espécie de aborto involuntário (não conheço todos os detalhes). Era dia 23 de abril de 1975. Nem deu tempo de minha mãe chegar até o hospital. Aconteceu no banheiro de minha casa, e apesar de eu não lembrar de nada, minha mãe afirma que eu fiquei o tempo todo de mãos dadas com ela. Eu era só uma pequena criança querendo cuidar de sua mãe. Nada além disso…
E assim eu fui crescendo. Já com alguns ossos remendados (quem foi o mentiroso que me disse que eu era quietinho?) e notas excelentes. Nem parecia que eu havia repetido o 3º período. Eu era um verdadeiro ás da Matemática e acreditava que Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa eram na verdade a mesma pessoa, só que com fantasias diferentes.
Minha mãe nessa época? Bom, ela fazia de tudo para mim. Era e é nutricionista e deixou o Souza Aguiar para cuidar de mim (eu sei que eu mereço!). Hoje em dia eu só dou prejuízos para ela, mas fato é que ela abriu mão de parte de seu futuro para estar comigo e com meu irmão. Mãe é mãe… Não há como negar.
E foi então que veio a grande rasteira de nossas vidas…
– Morte
Não bastava apenas o que aconteceu com o Bruno. A vida, em seu ritmo frenético, insistia em nos testar, em levar até limites extremos a nossa fé em Deus.
No dia 10 de novembro de 1984 meu irmão, Felipe Ottolini, morreu devido a complicações de um câncer no cerebelo, inicialmente diagnosticado como ataxia aguda da infância. Ele tinha 8 anos completos, celebrados no dia 19 de agosto daquele ano. Eu tinha 12, mas me sentia como se tivesse uns 20. Eu literalmente tive que amadurecer depressa.
Na época, 1983, não havia os tomógrafos modernos que hoje estão em todos os lugares, e somente depois de muita insistência por parte de minha mãe é que os médicos decidiram fazer esse então caríssimo exame.
Câncer em estado avançado. Radioterapia, quimioterapia, e tudo mais que se puder imaginar. Uma equipe gigantesca de médicos que na verdade muito pouco podia fazer, e um gigante que não descansava um minuto sequer: minha mãe.
Não dá para descrever o que minha mãe fez nos quase dois anos de doença de meu irmão. Ela era a médica, a enfermeira, a rezadeira, e ainda era a célula que mantinha unida toda a minha família durante esse momento mais do que difícil.
Chegamos a montar uma espécie de CTI em casa, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos últimos instantes de meu irmão, mas infelizmente… De nada adiantou.
Lembro-me de minha mãe me procurando naquele fatídico 10 de novembro, dizendo que meu irmão tinha ido para o céu, mas eu não via nada dessa forma. Apenas me perguntava: de onde essa mulher tira forças para me dar forças quando justamente um pedaço da carne dela está indo para debaixo da terra? Que ser é esse que tenta me acalmar quando a ordem natural da vida, das coisas, está sendo mudada? Que espírito de luz é esse que eu tenho a honra de chamar de minha mãe e que mesmo com suas entranhas devoradas consegue me passar paz? Deus… O que é a minha mãe? É você na Terra?
E após a dolorosa e sofrida descida do caixão de meu irmão, a vida seguiu seu rumo… E depois disso nada foi como antes, como não poderia ser. Minha mãe perdeu parte de seu corpo, de seu coração… Eu perdi o sonho de não ser filho único, perdi meu melhor amigo, perdi meu irmão.
– Minha adolescência
Marcado pela morte de meu irmão, eu me sentia um ser diferente. Sentia-me mais velho do que os demais, mais vivido, mais sofrido, ao mesmo tempo em que achava que eu precisava viver a vida dos “normais”.
Foi minha mãe a grande incentivadora de todas as minhas vitórias. Comecei a tocar teclado, violão, flauta doce… Comecei a escrever poesias… Estudei e me formei em inglês. Fui o melhor aluno do colégio durante vários anos, até que o cansaço de minha mãe começou a vencê-la… E com isso eu também me deixei vencer.
E assim, depois de tantas batalhas vencidas e perdidas, o cansaço de minha mãe foi crescendo e crescendo… Depois, veio a separação de meu pai… Veio o meu abandono e a minha ignorância, pois literalmente me convenci ou me deixei convencer que ela era a parte errada da história, e não me preocupei sequer em tentar investigar totalmente o assunto.
Talvez fosse pedir demais de um adolescente que ele entendesse exatamente o que estava acontecendo, mas hoje sei que fiz muito menos do que eu poderia ter feito. Sei que me omiti, que procurei o caminho mais fácil, e esse caminho infelizmente me afastou de minha mãe. Talvez tenha sido uma espécie de defesa… Talvez eu simplesmente não fosse forte o bastante para ver minha mãe naquela situação e eu sem poder fazer nada… Eu não sei, mas fato é que se arrependimento matasse…
– A verdade
O tempo passou e minha adolescência foi embora. Deus, em sua infinita sabedoria, me fez voltar para perto de minha mãe, e me fez ver o quanto eu estava errado em tudo que eu havia feito, em tudo que eu acreditava.
A vida (Deus!) fez com que eu revisse meus valores de forma completa e absoluta. Com a vida destroçada e sem aquele futuro tão promissor que eu vislumbrava antes, eu me aproximei novamente de minha mãe. E sim, como era de se esperar de um anjo, ela me aceitou sem que eu tivesse sequer que me explicar. Que tipo de coração tem essa mulher ao ponto de me mostrar o quão pequeno eu fui sem ter mesmo que falar uma ínfima palavra? Que tipo de sabedoria tem essa alma ao ponto de crer no que nem eu mesmo achava crível, ou seja, em mim?
Viu-me caído, ferido de morte, e feito Fênix tirou a nós dois das cinzas. Encheu-se de amor, de sabedoria e de glória, e com uma paciência sem limite me trouxe de volta para o caminho da verdade e da justiça, para o caminho de Deus, caminho esse no qual até hoje estou.
O mais impressionante nisso tudo foi ver a abnegação de minha mãe. Os meus problemas se fizeram problemas dela e ela transcendeu a sua própria existência, mostrando mais uma vez o real e verdadeiro significado de ser mãe. Cuidou de mim, colou meus cacos, e eu somente sentia que em cada reparo que ela me fazia mais sua alma brilhava, feito Sol que nunca se põe, feito Lua que está sempre cheia.
E com a verdade do meu lado me fiz homem. Deixei as amarras do passado e o mundo (Deus!) voltou a sorrir para mim. Somente minha mãe poderia ter conseguido isso tudo, e ela conseguiu… Aqui estou eu.
– Hoje
Pois bem… Hoje eu sou uma economista. Trabalho em uma empresa multinacional. Faço pós-graduação. E acima de tudo sou muito feliz. A quem eu devo isso tudo? Preciso dizer? À minha mãe. Sem ela eu não poderia nem mesmo ter o computador no qual escrevo, e muito menos poderia ver na vida um campo de infinitas possibilidades. Minha mãe me ensinou, me fez ser assim, e é por isso que hoje, dia 8 de maio de 2005, eu resolvi fazer para ela uma infinita e incondicional declaração de amor. Que seja pública, que seja notoriamente óbvia e redundante, e que de alguma forma amenize os erros que eu um dia cometi.
– Para minha mãe
Sei que esse Dia das Mães é especial para você. Há menos de 1 ano você perdeu sua mãe, depois de quase 13 anos de doença. Sei que no dia de hoje, mais do que nunca, você precisa de meu abraço, de minha presença, e graças a Deus eu posso estar do seu lado para oferecer isso e muito mais.
Eu já te pedi desculpas milhares de vezes pelos erros que cometi. Não importa se estes erros foram cometidos pela minha imaturidade… Fato é que eu errei, e apesar de você já ter me dito centenas de vezes que me desculpa, ainda me sinto na obrigação de recuperar todo tempo perdido, pois eu sei que ele não volta mais.
É difícil, mãe, imaginar que eu não estive do seu lado nos momentos em que você possivelmente mais precisou de mim. É difícil imaginar que eu não fui sábio o bastante para separar o joio do trigo. E mais difícil ainda é carregar essa culpa, que você faz questão de aliviar todos os dias.
De alguma forma eu preciso mostrar para o mundo o que eu sinto. Eu preciso mostrar o orgulho gigantesco que sinto por você e por toda sua história. Preciso agradecer por tudo que você fez pelo meu irmão e por mim, na certeza de que eu não poderia, em hipótese alguma, ter sido criado de forma melhor.
Deus colocou muitas provas em nossa vida, mãe, mas nunca vi você abaixar sua cabeça. Nunca vi você reclamar de nada. Não sei de onde você tira forças para enfrentar as adversidades da vida, mas fato é que você é um exemplo a ser seguido. Mais do que minha mãe, você é um ser humano fantástico, angelical, que com certeza tem muito para ensinar por esse mundo.
Não consigo me imaginar sem você. Pensar na minha vida sem sua companhia, sem seus abraços, sem seus beijos. Como ficar sem o seu olhar, mãe? Como confiar tão radicalmente em alguém como eu confio em você? Eu não sei… Eu não sei… Nem quero falar disso agora.
Mãe, eu te amo. Eu erro e acerto, mas eu te amo. Vou te amar para sempre. Ainda que você fosse uma prostituta, coisa que nem de longe você é, eu te amaria da mesma forma, pois você é minha mãe, meu porto seguro, meu tudo.
No dia de hoje, sinta-se abraçada, beijada e acariciada por mim e por meus outros 2 irmãos que já estão no céu. Eu sei que eles estão conosco hoje e com certeza estão celebrando a honra que foi a terem como mãe. Eu, por outro lado, celebro ainda a honra de sê-lo, e desejo que isso se estenda até quando Deus permitir…
Obrigado, meu bom Deus, pela minha mãe. Obrigado por ter me dado a chance de conhecer um espírito tão puro assim. Obrigado por me fazer crescer ao lado de alguém que só me acrescentou e que fez de mim um homem de verdade. Obrigado por tudo, meu bom Deus.
Por ora é só… O resto dos presentes eu entrego pessoalmente. Que seja assim o meu Dia das Mães e que seja assim para todos, até mesmo para aqueles que já viram suas mãezinhas partirem… No dia de hoje, eu bem sei, elas estão todas na Terra, tomando conta de seus filhos queridos.
Fiquem em paz!

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