Martírio

As horas avançam

E a necessidade encrustrada desperta

E revela planos

Tramóias e enganos

Verdades incompletas

Que não escondem

A porta que deixas aberta

Em teu peito

Durante a noite

Onde me escondo

Deliciosas descobertas

 

E no teu sussurro desconexo

No teu gemido que sai rouco

Nas marcas que deixas em meu corpo

No teu vigor que me deixa louco

Entrego-me

Renego-me

Nossa unicidade plena

Não é doxa ou paradoxa

É teorema

 

E nessas sessões de tortura consensual

Reciprocidade arreganhada

Desavergonhada

Toques e retoques

Tudo pleonasticamente abissal

Fazemos-nos homem e mulher

E que seja feito o que o universo quiser

Desse fogo que nos rasga

Nos assa e amassa

Enquanto nos comemos à colher

 

E a manhã que chega úmida

Fronhas e lençóis

Que escorrem

E que nos fazem lembrar

Que não há melhor prazer na vida

Que por a roupa de cama para lavar.

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Imprevisível

“We don’t take a trip. A trip takes us.”

ou

“People don’t take trips. Trips take people.”

― John Steinbeck
Na nossa ânsia por previsibilidade e estabilidade, quase sempre nos esquecemos que não temos controle absoluto sobre nossas vidas. Nos programamos e tentamos fazer com que os próximos minutos, horas ou dias sejam de acordo com o que nós esperamos e queremos, mas isso é simplesmente impossível.
Haverá surpresas agradáveis e desagradáveis. Partidas e chegadas. Encontros e desencontros. Sins e nãos. Sorrisos e lágrimas, e assim por diante.
Que sejamos, então, humildes o suficiente para reconhecer que precisamos nos adaptar e aprender a viver todos os dias. É a vida que nos controla e não o contrário.
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Ampulhetando

Em silêncio eu espero

Em silêncio, eu espero

E espero na espera

Esperando esperança

No silêncio que impropera

 

O tempo rasga

O tempo dói

O tempo não cura

Pelo contrário!

Vira do avesso

Eviscera as factíveis

E inesquecíveis lembranças

Do que só tem começo

 

Ele faz esquecer

Faz esquecer de esquecer

Relembra com intensidade

Cada vez mais tenaz e forte

É legião – e não centúria ou coorte! –

É esforço pra lá de inútil

É desperdício de momentos

É jurar o amor de morte

E assustar-se com sua vingança

Ferindo-nos com um certeiro bote

Do qual não se escapa

Quer seja por prudência ou pura sorte

 

Mas sei que devo entender –

E ainda assim não entendo! –

Na nossa dor somos vivos

E está por deveras doendo

Mesmo que não saibamos

O futuro acabará sendo

Um desesperado recuperar

De horas……………………

De minutos………………………..

De segundos……………………………….

Que prudentemente ou não

Acabamos perdendo

 

Que eu esteja errado, então…

Que o vento espalhe

As areias do tempo

E que algum dia

Possamos chamar

Esse aparente – e convincente! –

Desperdício

De um grande investimento

Que não deixou resquícios

E que só criou para o futuro

Uma miríade de melhores momentos

Ainda que, por ora

Nem isso sirva de alento

Só duro e cruel sofrimento.

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