Eu vi um menino com sua mãe
Pedintes em frente de uma padaria de luxo
As pessoas desviavam deles
Não os escutavam
Não os ouviam
Como se fossem apenas
Mulher e menino sujos
Por ali
Passava eu com pressa
Barba feita e perfume
Passava a moça que tinha feito luzes
Passava o policial
A médica
A professora
O pipoqueiro
O malabarista
O feirante
O artista
E por ali permaneciam
Como se fossem apenas
Mulher e menino sujos
Só que me senti incomodado
E precisei voltar
Para aliviar minha consciência
Para mostrar minha superioridade
Diriam alguns
Mas não…
Não voltei por isso
Voltei para mostrar até para mim mesmo
Que nem tudo é maldade
E não dei moeda
Dei pão
Dei ouvidos
Dei coração
E não me importa
Se outros acham isso certo ou não
Pois viam, mas não sentiam
Como se fossem apenas
Mulher e menino sujos
A prefeitura
As ONGs
Os intelectuais
Os boçais
Os Cristos
Os Judas
E os Barrabás
Sempre prontos
Para jogar uma pedra a mais
Encaravam-me
Reprovavam-me
Por eu estar ali com eles
Como se eu fosse melhor que eles
Como se fossem apenas
Mulher e menino sujos
Mas meu coração se limpou
O menino sorriu
A mãe agradeceu
Eu os toquei
Eu os presenciei
Eu os vivi
Só que eu tinha que sair dali
Para não assumir de vez
A desgraça da miséria humana
E trata-los novamente
Como se fossem apenas
Mulher e menino sujos
Não, nunca foram
Não são
E nem nunca serão
Mulheres e meninos sujos
Apenas estão sujos
E me tornaram humano
Limparam o meu coração
E me enchi e os enchi de esperança
Sei que não foi em vão.