Não se preocupe…
Não são lágrimas
E só o amor transbordando de mim.
– O que foi, filha?
As mãos cruzadas na frente. Os olhos mirando o chão. Ela parou de repente, enquanto caminhávamos pela rua mais fancy de Niterói, que parecia existir apenas para esconder a pobreza, a violência e a visível ausência do estado na cidade. Última obra? Calçada de granito nesta rua! Tudo pelo social!
– Pai, nós passamos em frente a uma loja de doces… O menino pediu para a gente comprar paçoca para ele vender. Você não ouviu?
Gelei. Sim, eu tinha ouvido. Talvez por medo, descaso ou pura ignorância, decidi seguir adiante. Minha filha não. Ela ouviu, viu e sentiu o menino.
– Você quer voltar lá, filha?
E me olhando de um jeito que só ela sabe olhar, voltamos. Perguntei para o menino exatamente o que ele queria. Era de fato uma caixa de paçoca. Disse que iria vender no sinal de trânsito.
Comprei a caixa e disse para a minha filha: “Vai lá e entrega para ele!” Meio sem graça, ela foi. O menino, sem entender muito bem o que estava acontecendo, agradeceu e nos disse um sonoro “Que Deus os abençoe!”
Aquilo rasgou meu coração. Como é? Cinco anos e fazendo isso? Fui fingindo que não estava emocionado até em casa. Desabei no banheiro. Pai é forte e não chora. Todos sabem disso, não é mesmo?
No dia seguinte, fomos passear de carro. Em um determinado sinal de trânsito, havia um menino vendendo paçocas. Era ele. Não deu tempo para ele me oferecer, mas as tais lágrimas insistentes voltaram a cair. Tentei dirigir meio de lado para disfarçar, aumentei o som, mas de nada adiantou. Minha filha não entregou paçocas para ele. Ela entregou sonhos, esperança.
E enquanto eu dirigia, rebobinei o filme, voltei a cena. Revi o menino que eu conscientemente decidi ignorar. Ladrão. Viciado em drogas. Poderia fazer mal para a minha filha. E percebi que eu estava desumanizado, morto por dentro, apesar de me considerar um grande seguidor de Cristo. “Hipócrita FDP!”, pensei comigo mesmo. Que tapa na cara com soco inglês!
Quando a gente se brutaliza por qualquer motivo que seja, Deus faz questão de nos mandar um anjo. Eu sou pai de um anjo. Que privilégio! Deu até vontade de comer paçoca! Alguém mais aceita?
E se você fosse
Deixada aos terrores da noite
Sem nada entender
Em uma encruzilhada da vida?
E se suas respostas
Virassem perguntas
E não houvesse ninguém
Sequer para ouvi-las?
E se aquele delicioso vinho
Suave e inebriante
Ficasse seco de repente
E tivesse que bebê-lo sozinha?
E se a cama vazia
Seca, inerte e nua
Com lençóis gélidos
Fosse unicamente sua?
E se suas lágrimas
Alcançassem o chão
Formando imensas poças
Antes que alguém tentasse entendê-las?
E se o seu grito dorido
Vomitado do peito
Fosse ignorado
Ou mesmo esquecido?
E se o seu nome
Repetido tantas vezes
Em tantos tons e texturas
Fosse completamente esquecido?
E se…
Você pudesse evitar tudo isso?
E se…
Eu não sei
Nem você
Espero que jamais saibamos
Espero que seja só um
E se.
Lembro-me com saudades
De todos que dessa vida sumiram
Eu sempre os carrego
Dentro de mim
Não são fantasmas –
Estão vivos! –
E de dentro deste mundo
Chamado dentro de mim
Jamais partiram
Jamais se despediram
Jamais disseram adeus
Vez por outra me recolho
E mesmo que as lágrimas corram soltas
Eu os vejo vivos e sorrindo
Provando que a morte do corpo
Não é de fato o fim
E é por isso que eu quero
Viver também dentro dos mundos
Que existem dentro dos outros
Pois enquanto houver lembranças
Que sejam de mim
Eu estarei vivo
Dentro de vários mundos
Sim.