Deserto de sal

Admito que não foi fácil.

Havia tantas histórias,
Tantas memórias,
E tudo o que eu mais tentava esquecer
Era justamente tudo que me fazia lembrar.

Aprendi que tentar esquecer
É o mesmo que reconhecer
Que algo é inesquecível.

Desisti.

Vez ou outra,
As lembranças ainda me chegam
Feito ondas do mar,
Que me molham da cabeça aos pés.
Vejo-me em mergulhos profundos no que já fui,
Mas que a vida disse para eu não mais ser.

Talvez um dia o mar seque.
Talvez um dia tudo seque.
Já lamentei tudo isso,
Mas talvez tenha que ser assim:
Um deserto de sal,
Com toneladas e toneladas de sal despejadas
Por mãos que nunca pertenceram a mim.

De outro mundo

Há tantas poesias e tantas memórias,
Tantas histórias que fazem o fim
Não ter fim.

E eu tinha medo disso.
Medo de ser consumido pelo passado,
Pelas recordações,
Pelos momentos muito mais do que felizes
Que vivemos juntos.

Hoje, não mais.

Aprendi tanta coisa,
Experimentei tanta coisa,
Vivi tanta coisa boa,
Cresci tanto a teu lado…
Como posso ignorar isso?

O fim foi estranho –
Sabemos disso.
Foi um fim sem fim,
E assim, precisei criar um,
E nele você foi abduzida por ETs.

Talvez eles estejam fazendo experimentos
E estudando o seu DNA,
Mas os ETs gostaram tanto de você –
Feito eu –
Que decidiram não te devolver.
Eu também não devolveria,
Confesso.

Talvez você esteja me vendo de onde está,
Mas isso não importa.
A menos que os ETs tenham lavado sua memória,
Sei que lembra das coisas como eu me lembro,
E isso que é o importante:
Mesmo ausente, ser presente na vida de alguém.

Que os ETs cuidem bem de você.
Você merece e sim, eu sei:
Você não é mais do meu mundo.

Duvidando

Não escrevo para ler
E lembrar no futuro
Escrevo para esquecer
Do agora
No agora

Cada gota de tinta
Cada rima
Cada verso
Cada estrofe
Fazem-me esquecer

Tudo é desabafo
Descarrego

Coisas que quis dizer
E não pude
Coisas que tentei entender
E não consegui
Coisas minhas –
Só minhas –
Palavras sobre mim
Palavras por mim

E no futuro
Ao reler o que escrevi
Tudo parecerá estranho –
Porque de mim
Serei um estranho –
Perdido
Nas minhas próprias memórias
Duvidando do meu passado
Por tê-lo documentado
E ainda assim
Não mais o sentir.