Carla

– Mãe, preciso falar com você.
– Já disse para você ir no médico de Uber!
– Mas não seria melhor você ir comigo?
– Por mim você nem iria! Essa coisa de Psiquiatra é invenção da sua tia! E deixa eu continuar a falar com sua avó!

“Vou tentar meu pai”

– Pai, eu queria que você fosse no médico comigo amanhã…
– Eu estou em reunião! Agora não dá!
– Mas pai…
– Depois a gente conversa!

“Vou tentar minha irmã. É fácil saber que ela está em casa. O cheiro dessa coisa que ela fuma é insuportável!”

– Júlia, você pode ir no médico comigo amanhã?
– Sai fora, fedelha! Tenho mais o que fazer!
– Mas eu não quero ir no médico sozinha!
– E desde quando eu sou sua mãe? Se enxerga!

Carla tinha 13 anos. Foi criada em uma família típica do século XXI. Pai e mãe ausentes, família dispersa. Grande parte do que aprendeu foi com os amigos. Alguns bem intencionados. Outros nem tanto. Gostava de animes e passava grande parte do seu tempo depois das aulas no WhatsApp. Era o que ela tinha para fazer.

Seus pais nunca cobraram dela nada relacionado a seus estudos. Nunca foram em uma apresentação ou evento na escola. O sonho dela era ser bailarina. Ninguém da família sabia que ela tinha esse sonho. Era como se ela não existisse.

No dia seguinte, ao entrar no Uber, o motorista ficou assustado.

– Seus pais sabem que você está aqui?
– Foram eles que mandaram eu ir de Uber para o médico.
– Você está doente?
– Não sei… Não tenho dormido direito. Não sinto vontade de fazer nada.
– É melhor ir ao médico mesmo…

E chegando no prédio do Psiquiatra, Carla não sabia qual era a sala. E como era bem baixinha, foi difícil para o porteiro atrás do balcão entender a pergunta dela. Ela era tímida. Falava para dentro e quando se via diante de algum conflito, se calava.

– Carteirinha do convênio e identidade, por favor.
– Eu trouxe só minha identidade. Tá aqui.
– Vai ser particular?
– Não sei. Deixa eu perguntar para a minha mãe.

Ligou uma, duas, três vezes para a mãe e para o pai. Ninguém atendia suas ligações. Resolveu ligar para a tia, que pediu para falar com a atendente.

– Tudo certo. É só aguardar.

Carla ficou vendo TV enquanto esperava. Estava passando uma novela antiga. As pessoas olhavam para ela intrigadas. Afinal de contas, o que uma garotinha tão nova estava fazendo em um consultório de Psiquiatria desacompanhada?

Fez a consulta. A médica perguntou da vida dela em geral. Perguntou porque estava ali sozinha. Ela explicou que os pais trabalhavam muito. Na verdade, ela estava com vergonha de dizer que não tinha qualquer tipo de atenção ou suporte em casa.

A médica receitou dois remédios. Um deles era tarja preta. Entretanto, ela disse que só daria as receitas para algum dos seus responsáveis legais.

– Puta que pariu, Carla! Vou ter que passar aí para para pegar as receitas? Você só me dá trabalho!

O pai foi até o consultório para pegar as receitas e falou com a médica. Enquanto ela explicava a questão da Carla e falava sobre os medicamentos, o pai estava com a cabeça no encontro que teria com uma amante mais tarde. O pai da Carla tinha um amante. A mãe também. Eles não faziam questão alguma de esconder isso. Não se divorciavam apenas por questões financeiras.

– Tá vendo? Treze anos e já tomando remédio! E depois sou eu a filha problemática, né Carlinha? É por isso que eu fumo meu baseado. Fico zen e não tenho nenhuma neura.

– A sua tia adora se meter na sua vida e na vida da sua irmã. Diz que somos pais ausentes! Ela é louca! Na hora de segurar os BOs, desaparece. Bom… Tem comida em cima do fogão. Estou indo para a academia. Depois teu pai explica para você como tomar esses remédios.

Carla não ligou para o pai. Sabia que ele estava ocupado. Ligou para a farmácia e pediu os medicamentos. Teve que preencher um formulário azul e entregar a cópia de uma das receitas. Pagou com o cartão do pai. Ela sabia a senha. Aliás, ela podia comprar tudo que quisesse. Ninguém reclamava. Era como seu o dinheiro fosse infinito. Também sentia que era uma maneira de seus pais tentarem, de alguma forma, suprir as inúmeras ausências que marcaram a sua vida.

Foi procurar na Internet para que serviam os remédios. Deu de cara com termos tipo depressão, bipolaridade, transtorno de personalidade… Não entendeu muito, mas resolveu tomar os medicamentos de acordo com a orientação de médica.

Em pouco tempo, se sentiu sonolenta. Dormiu com a roupa que estava. Esqueceu de colocar o relógio para despertar para ir ao colégio.

Acordou bem disposta. Há tempos não acontecia dela dormir uma noite inteira. Era como se o remédio fosse milagroso. E mesmo sem falar com a médica, descobriu que um dos remédios era perfeito para ela esquecer da vida. Dormindo, ela esquecia de tudo. E passou a se automedicar. Encontrou, finalmente, uma maneira efetiva, rápida e fácil de lidar com seus problemas.

– Estamos aqui neste dia diante de Deus pai todo poderoso para sepultar o corpo de Carla…

Os amigos do colégio estavam inconformados. Não aceitavam a possibilidade da Carla ter tirado a própria vida. Muitos se culpavam e diziam que deveriam ter dado a ela mais atenção. Uma cena realmente muito triste.

A tia da Carla chegou aos prantos e não poupou xingamentos aos pais da menina. Tentou agredi-los fisicamente. Foi contida por outros parentes.

Os pais, cabisbaixos, disseram apenas “A gente não sabia que isso estava acontecendo”.

E foi a primeira vez que eles falaram a verdade desde que Carla nasceu.

———-

E se você chegou até aqui por estar com problemas, lembre-se que você é importante! Há muita gente que te ama mesmo que isso não esteja claro. Você é forte e Deus está a teu lado neste momento. Procure ajuda!

Centro de Valorização da Vida

www.cvv.org

Telefone: 188

Esta é uma obra de ficção.

Vim trazer verdades 42

Não há a menor possibilidade de haver amor incondicional entre um casal. Simplesmente não há. Amor incondicional é “amor de mãe”. O filho pode ser ou fazer a besteira que for que a mãe continua amando.

“Ain… Eu amo fulano(a) incondicionalmente!”

MENTIRA! Você aceita traição, por exemplo? Aceita se doar para uma pessoa sem que ela seja minimamente grata? Aceita amar sem reciprocidade, sem cumplicidade? Tenho certeza que não, e por definição isso é amor condicional: você ama sob determinadas condições e limites.

Aliás, ouso dizer que amor incondicional entre casais é algo patológico. Alguém com toda certeza está fazendo o papel de mãe. Em alguns casos, ambos estão, ao ponto de se manifestar entre eles uma verdadeira relação simbiótica.

Isso não é saudável. Isso tem a ver com o passado, com a infância. Procure ajuda profissional se for o caso. Você merece mais do que aceitar qualquer coisa vinda do outro em nome de um suposto “amor incondicional”. Onde estão a sua autoestima e amor próprio? Quais são os seus valores mais fundamentais? Quem você é de verdade? Será que você não está abrindo mão de si mesmo por conta do outro? É um preço muito alto a ser pago, e com certeza a conta vai chegar um dia.

Pense nisso. Não destrua a sua vida para agradar os outros.

P.S.: Qual a primeira coisa que a mãe se pergunta quando vê que o filho fez uma besteira? “Onde foi que eu errei???” O nome disso? Culpa. O erro do outro é sua culpa? Saia desse círculo vicioso!

Aniversário da minha mãe – 2021

– Dose de reforço da vacina (ela quis tomar no primeiro dia possível, que calhou de ser no dia de seu aniversário).

– Hambúrguer, batata frita e Coca Zero (ela escolheu).

– Um bolo de chocolate (ela também escolheu).

– Um monte de abraços e beijos (ela não teve escolha nesse caso).

Feliz Aniversário, minha mãe! Já são 74 anos muito bem vividos! Obrigado pelas suas qualidades e seus defeitos. Obrigado por me amar e justamente por isso me dar umas broncas mais do que merecidas. Obrigado pelos princípios e valores que herdei de você e que uso como bússola moral na criação de minha filha! Obrigado mesmo, de verdade!

Que Deus te abençoe! Te amo!

P.S.: Sua neta mandou dizer que também te ama!

P.S. 2: A gente briga, mas a gente se ama. ❤

Nossa Senhora de Fátima – 2021

Ave Maria, cheia de graça, 
O Senhor é convosco, 
Bendita sois vós entre as mulheres 
E bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. 
Santa Maria, Mãe de Deus, 
Rogai por nós pecadores, 
Agora e na hora da nossa morte.

Amém!

Hoje é o seu dia! Obrigado por tudo, minha mãe! Muito, muito obrigado! Nós bem sabemos do tanto que Deus tem feito em minha e por minha vida! 🌹🌹🌹

A flor

Uma vez, antes de sumir no mundo, ela deu uma flor para minha mãe. Uma daquelas que vem em um vaso pequeno. Uma violeta. Ela quis agradecer a minha mãe por tê-la recebido em sua casa. A flor era cor de rosa, talvez arroxeada. Algo assim. Homens não costumam ser bons com cores.

Todo dia eu via minha mãe conversar com a tal flor. Nada de anormal. Ela sempre dava bom dia para as plantas da casa. Só que no caso dessa flor, eu sentia que era diferente. Como tinha sido um presente, a sensação que eu tinha era de que havia algo de especial entre as duas. Não sei explicar ao certo o que, mas sei que havia.

Confesso que eu passava ao lado da tal flor e pensava em joga-la no lixo. Só que quando eu chegava perto dela, eu simplesmente não tinha coragem. Não seria justo fazer nada contra ela, até porque eu sabia que ela havia sido dada de coração. Eu tinha certeza disso.

E os dias se passaram… As semanas se passaram… Os meses se passaram… Talvez uns 5 ou 6 meses. Eu não fazia ideia que uma flor dessas poderia durar tanto! E eu fui me acostumando… Não dava bom dia para ela, mas era uma lembrança que me fazia sorrir.

Um dia, porém, ao chegar perto de minha mãe, percebi que ela estava entristecida. Olhei para o vasinho e percebi que a flor estava seca. E eu perguntei o óbvio:

– O que houve com ela? Morreu?

E minha mãe me olhou nos olhos, colocou a mão no meu peito como só uma mãe sabe colocar, e me disse:

– Mas ela está viva aqui, bem dentro do seu coração.

E nesse dia, depois de tantos anos, eu finalmente descobri que meu coração era e é um jardim. E minhas lágrimas o regaram. Lágrimas represadas. Simplesmente lágrimas.

Depois disso, vi muitas flores. Há flores aqui e ali. É só saber procurar. Mas daquela flor, que sequer era minha, eu nunca mais me esqueci, e sei que, de alguma forma, ela ainda vive dentro de mim.

Meu Anjo da Guarda

Todo meu 19 de Agosto é dia de reflexão. Meu irmão estaria fazendo 42 anos, mas um câncer o levou quando ela tinha apenas 8 anos de idade. Eu tinha 12 na época.

Falar sobre os 2 anos em que ele ficou doente é algo que não me leva a lugar nenhum. Até porque a ida dele para o céu foi uma libertação. Entretanto, a vida continuou para a minha família, e os efeitos da sua morte prematura ficaram em todos nós.

Lembro que no dia que ele faleceu, 10/11/1984, meu pai e minha mãe disseram que “ele tinha ido para o céu”. E eu respondia: “Não. Meu irmão morreu!” Os eufemismos naquele momento eram detestáveis. Eu queria sentir com toda a intensidade a partida de meu irmão. E foi assim que eu fiz.

Nada foi o mesmo depois disso. Meu pai tentava fingia que nada tinha acontecido, e acabou falecendo aos 61 anos, absorto pelas dores da morte de seus filho. Minha mãe, ainda viva (graças a Deus!), foi pelo caminho contrário. Falava da morte dele com desenvoltura e desapego. Entretanto, suas feições nunca esconderam a dor que ela ainda carrega no peito. Não é para menos: mãe é mãe.

Eu? Sinto a presença de meu irmão todos os dias. No dia de hoje, especificamente, fecho para balanço. Sinto que converso com ele de alguma forma, e aproveito o dia para refletir sobre a vida. Também sinto um turbilhão de sensações: morreu ou foi para o céu? Só sei que de fato ele não está por aqui, mas fui pego de surpresa no dia de hoje.

– Pai, é possível que o nosso anjo da guarda mude durante a vida?
– Não sei, minha filha… Não sei… Mas por que a pergunta?
– É que o Tio Felipe é seu anjo da guarda agora.

Ela com 10 anos… Eu com 46. A abracei e chorei em seus ombros. Minha filha me deu hoje um presente que esperei durante muitos e muitos anos. Consegui finalmente acreditar que meu irmão está vivo e de fato no céu.

Obrigado, Senhor Meu Deus, pelo presente que recebi no dia de hoje! Obrigado por ter me dado uma filha tão maravilhosa! E obrigado a você, Felipe Ottolini, por todos esses anos que me guardou. E que tudo continue assim.

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10 dias

Sangue abundante escorre do meu nariz. Não sinto dor. Meu rosto está adormecido. Minha filha, ainda por completar dois anos, está assustada. Se jogou para trás enquanto brincávamos na cama e acertou com a cabeça o meu nariz, que se partiu imediatamente.

O 911 é acionado. Chegam em 3 minutos. Um pano de prato coberto de sangue no meu rosto tenta estancar o sangramento. Os socorristas me examinam, verificam se estou vivo (dessa parte eu já sabia), e me dizem o seguinte:

“Podemos cobrar USD 1,000 para levar o senhor até o hospital ou alguém pode leva-lo. O senhor está estável. Basta assinar essa ficha dizendo que dispensou a remoção para o hospital e está tudo certo.” Assino e parto para o hospital.

Parece um hotel. De certa forma, eu estava destoando. Camisa manchada de sangue, pano de prato no rosto. Sou acolhido antes mesmo de preencher uma ficha.

– Isso sempre acontece com o senhor? – pergunta o enfermeiro da triagem.

– Sim… Sempre que minha filha me dá uma cabeçada.

Na prática, ele estava fazendo o papel dele. Era parte do script do atendimento. Vai que sou vítima de violência familiar?

Depois do X-Ray, foi constatada a fratura. O médico foi claro: “Você tem 10 dias para operar e colocar o nariz no lugar. Caso contrário, será necessário quebrar de novo para poder reposiciona-lo.”

Procurei um ENT (ear, nose and throat) Surgeon, e marcamos a cirurgia. Cheguei cedo no dia. Deram-me algum antinflamatório e disseram que aplicariam a anestesia. E nisso, chega o anestesista: “Onde estão os seus exames pré-operatórios? Não fez nenhum? Não tem problema. Assina aqui. Se morrer, a responsabilidade é sua.”

Levantei-me e fui procurar a médica. “Eu pensei que você sabia que tinham que ser feitos.” – disse ela. Certo… E eu os faria sem pedido médico e o plano cobriria tudo, não é mesmo? Além disso, sou médico e não economista… Sofrível.

Fiz todos os exames, sempre lembrando dos tais 10 dias. Até exame do coração com contraste eu fiz (um pedido completamente fora do normal para a minha idade de acordo com os padrões brasileiros). Tudo ok. Eu podia operar.

“Ih… Essa semana estou fora. Não vou poder te operar. Volto semana que vem. Não tem problema. Eu quebro seu nariz de novo e a gente resolve isso.”

Não. Desisti da cirurgia. Dane-se! Fico com o rosto do Rocky Balboa, mas ninguém vai quebrar meu nariz de novo.

Ligo para minha mãe e conto a história. Enquanto isso, aliso meu nariz de cima para baixo. Ouço um barulho, um estalo. Meu nariz se movimentou. Olho-me no espelho. O nariz estava de volta no lugar.

Moral da História: Não deixe sua filha quebrar o seu nariz mais de uma vez.

10dias

Dia Internacional da Mulher

Bom dia, queridos amigos! Como não poderia deixar de ser, o Dia Internacional da Mulher é sempre especial. Convém lembrar, entretanto, que a sua sogra, a vizinha fofoqueira, e até sua ex-esposa também são mulheres. Então, é dia delas também. Não vai dar os parabéns?
 
Confesso que fiquei em dúvida em alguns casos. Hoje é dia do Thammy? É dia da Dilma? É dia do Jean Wyllys? Sei que podem parecer perguntas triviais, mas com chegada da ideologia de gênero, é bom ter cuidado. Você pode parabenizar alguém e levar um tapa na cara de volta. Ou mesmo magoar alguém que achava que era seu dia. Vai saber!
 
Deixando essa porcariada toda do lado, eu realmente gostaria de parabenizar as mulheres. Sejam e continuem a ser as maravilhas que Deus criou, com capacidades e habilidades para lá de sensacionais. Para ser pai, um homem pode precisar de apenas 30 segundos. A mulher, de 9 meses. E mesmo assim, a criança ainda nasce com a cara do pai (maior sacanagem isso). Sei que essa coisa de ser mãe parece ser algo meio batido, mas é porque de resto, há poucas coisas que as mulheres não conseguem fazer. Ok… Virar uma laje é coisa de homem normalmente, mas isso é apenas uma questão de força física. É importante? Sem dúvida alguma, mas homens não conseguem ser mães nem que queiram! Se você considera isso uma desvantagem, mulher, repense o assunto. Não há nada mais bonito na vida do que a maternidade.
 
Então, justamente por conta disso, aproveito esse dia para pedir que as mulheres continuem a ser femininas. Continuem se cuidando, se embelezando, e continuem precisando dos homens, da mesma forma que os homens sempre precisarão de vocês! Homens e mulheres são complementares. Só são inimigos na cabeça daquelas que acreditam que a campanha “SOS Mata Atlântica” tem alguma coisa a ver com criar ecossistemas em suas axilas ou partes íntimas.
 
Feliz Dia Internacional das Mulheres! CUIDEM-SE! VALORIZEM-SE! O mundo precisa de vocês!
 
Beijos e bom dia!
 
P.S.: Minha filha acabou de me pedir para matar um inseto que estava voando na sala. Essa menina vai longe!

 

wonder-woman

Hoje é dia da minha mãe!

Escrito para a minha mãe e entregue no Dia das Mães de 2005. É minha história. Minha vida.

– Concepção

Anda… Não pára!
Você tem que ser o primeiro!
Você precisa chegar lá!
Você se preparou a vida inteira para isso…
Vai morrer na praia, ou melhor…
Vai morrer aí dentro?
Se fosse na praia, tudo bem…
Mas aí? É escuro, úmido…
Não está com medo?
Portanto, corre!
Deixa esse povo todo para trás e mostra do que você é feito!

E assim foi. Se esse espermatozóide não tivesse ouvido as palavras de incentivo que a vida gritava incessantemente para ele, eu não estaria aqui. Talvez até estivesse, mas possivelmente não me chamaria Fábio. Talvez tivesse vindo de outra forma, através de outra pessoa… Enfim… No dia da corrida inaugural e derradeira desse espermatozóide nada errante, eu venci, minha alma venceu.

E aqui estou eu. Sou o resultado desse processo vitorioso. Eu nasci de uma vitória. Uma vitória do amor de meu pai e de minha mãe, uma vitória da vida… Acima de tudo, uma vitória de Deus.

Minha vitória também, é claro. Eu sou eu justamente porque havia um espermatozóide abusado, resistente e valente, que rompeu os labirintos viscerais de minha mãe, sem auxílio de GPS, e encontrou o seu alvo. E fez amor, fez vida, fez paz, fez luz, me fez…

Lançou dentro de minha mãe os ingredientes de um protótipo explosivo, único, exclusivo, que foi amado com todas as forças do mundo desde seu primeiro momento, pois era fruto de um projeto maior de vida, de amor.

E foi assim que me conceberam. Tudo isso se fez necessário para eu nascer. Esse é o princípio da história de minha vida. E por mais que tudo isso pareça uma repetição cotidiana, é justamente nos pequenos detalhes de minha existência que eu consigo perceber que não vim ao mundo simplesmente para ser mais um.

– Nascimento

Essa mania louca dos espermatozóides de andarem correndo subiu para a minha cabeça. Eu já era um ser apressado antes mesmo de nascer! Obviamente, tive que vir ao mundo com apenas 7 meses de gestação. Eu acho que tinha medo do escuro, não sei… Ou simplesmente estava querendo passar o Natal nos braços de minha mãe. Cheguei em dezembro de 1971, mais precisamente no dia 7. Eu me esqueci de olhar no relógio, mas creio que eram umas 8 e 15 da manhã.

Não sei se meu pai fumou um charuto logo após minha chegada, mas sei que minha mãe se apaixonou por mim logo de cara. Era tanto amor que eu me sentia absolutamente irresistível! Sei disso porque sinto esse amor incondicional até hoje, bem pertinho de mim, até mesmo quando ela está longe… Sei disso porque eu não seria metade do que eu sou se a minha chegada ao mundo não tivesse sido dessa maneira.

E ainda no hospital, aquela coisinha pequenininha (sim, eu já fui pequeninho!), frágil e indefesa preencheu o coração de minha mãe de tal forma que ela nunca mais foi a mesma. Daquele dia em diante, dia 7 de dezembro de 1971, a Sra. Ocirema Maria das Graças Soares Nogueira finalmente se fez mãe e alcançou a plenitude de sua vida como mulher.

Eu nunca vou ser mãe (lamento!), mas deve ser uma sensação incrível. Tenho certeza de que todo homem de verdade deveria ser mãe pelo menos uma vez na vida. Parto normal, é claro, para nós homens tomarmos vergonha antes de reclamar de uma simples dor de dente…

Falando nisso, como não invejar o dom de dar a luz a uma criança? Como não invejar a capacidade de criar vida? Como não invejar o dom maior de ser aquele que escolhe quem vai vir ao mundo ou não (o aborto existe, apesar de ser ilegal)? Como não invejar o dom de ser mãe? Eu não sei, eu não sei…

E assim foi. A minha mãe, então, se fez mãe e aqui estou eu. É óbvio que não posso falar muito de meu nascimento… Mas eu estava lá… Eu juro!

– Minha infância

Dizem que eu era bem quietinho, mas isso me parece ser uma grande mentira. Tenho várias cicatrizes pelo corpo, já derrubei um litro de leite fervente em minha perna e entrei em coma quando eu tinha 6 meses, fruto de um processo alérgico desencadeado pela administração prematura de leite de vaca. Alguns amigos dizem que foi meu primeiro (e único, eu juro!) coma alcoólico. Prefiro achar que não.

Vale a pena falar mais sobre isso… Dizem que o pediatra que tomava conta de mim (ou que fingia que tomava) me desenganou para minha mãe. Como eu estava em coma, não tive a oportunidade de xingá-lo (sim, eu tive essa oportunidade anos depois!), mas fato é que minha mãe não se deu por vencida e chamou um outro médico. Ou melhor, hoje sei que ela chamou simplesmente um médico que sabia o que estava fazendo. Cerca de 12 horas depois eu já estava acordado. Eu vi o túnel, vi a luz, mas preferi voltar para os braços de minha mãe. Definitivamente a minha hora ainda não tinha chegado.

Eu era tão inteligente, tão inteligente, que repeti o 3º período duas vezes. Eu não conseguia entender naquela época o porquê das pessoas precisarem escrever, uma vez que eu já tinha decorado os nomes de todos os bichos de meu zoológico de plástico. Eu sabia o nome das cores também! Sabia contar de 1 a 10! Sinceramente… Quem em sã consciência precisa de mais do que isso (penso assim até hoje)?

Ganhei um irmão nessa época. Felipe Ottolini. Dia 19 de agosto de 1976. Eu sabia que ele tinha vindo de dentro da barriga de minha mãe, mas não fazia a menor idéia de como ele havia entrado! Entretanto, eu achava mais importante ter um irmão do que conhecer os mistérios da natureza…

Antes de o Felipe chegar, houve uma outra tentativa… Seria Bruno o nome dele. Bruno Ottolini. Infelizmente, quando minha mãe estava no sétimo mês de gestação, ocorreu uma espécie de aborto involuntário (não conheço todos os detalhes). Era dia 23 de abril de 1975. Nem deu tempo de minha mãe chegar até o hospital. Aconteceu no banheiro de minha casa, e apesar de eu não lembrar de nada, minha mãe afirma que eu fiquei o tempo todo de mãos dadas com ela. Eu era só uma pequena criança querendo cuidar de sua mãe. Nada além disso…

E assim eu fui crescendo. Já com alguns ossos remendados (quem foi o mentiroso que me disse que eu era quietinho?) e notas excelentes. Nem parecia que eu havia repetido o 3º período. Eu era um verdadeiro ás da Matemática e acreditava que Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa eram na verdade a mesma pessoa, só que com fantasias diferentes.

Minha mãe nessa época? Bom, ela fazia de tudo para mim. Era e é nutricionista e deixou o Souza Aguiar para cuidar de mim (eu sei que eu mereço!). Hoje em dia eu só dou prejuízos para ela, mas fato é que ela abriu mão de parte de seu futuro para estar comigo e com meu irmão. Mãe é mãe… Não há como negar.

E foi então que veio a grande rasteira de nossas vidas…

– Morte

Não bastava apenas o que aconteceu com o Bruno. A vida, em seu ritmo frenético, insistia em nos testar, em levar até limites extremos a nossa fé em Deus.

No dia 10 de novembro de 1984 meu irmão, Felipe Ottolini, morreu devido a complicações de um câncer no cerebelo, inicialmente diagnosticado como ataxia aguda da infância. Ele tinha 8 anos completos, celebrados no dia 19 de agosto daquele ano. Eu tinha 12, mas me sentia como se tivesse uns 20. Eu literalmente tive que amadurecer depressa.

Na época, 1983, não havia os tomógrafos modernos que hoje estão em todos os lugares, e somente depois de muita insistência por parte de minha mãe é que os médicos decidiram fazer esse então caríssimo exame.

Câncer em estado avançado. Radioterapia, quimioterapia, e tudo mais que se puder imaginar. Uma equipe gigantesca de médicos que na verdade muito pouco podia fazer, e um gigante que não descansava um minuto sequer: minha mãe.

Não dá para descrever o que minha mãe fez nos quase dois anos de doença de meu irmão. Ela era a médica, a enfermeira, a rezadeira, e ainda era a célula que mantinha unida toda a minha família durante esse momento mais do que difícil.

Chegamos a montar uma espécie de CTI em casa, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos últimos instantes de meu irmão, mas infelizmente… De nada adiantou.

Lembro-me de minha mãe me procurando naquele fatídico 10 de novembro, dizendo que meu irmão tinha ido para o céu, mas eu não via nada dessa forma. Apenas me perguntava: de onde essa mulher tira forças para me dar forças quando justamente um pedaço da carne dela está indo para debaixo da terra? Que ser é esse que tenta me acalmar quando a ordem natural da vida, das coisas, está sendo mudada? Que espírito de luz é esse que eu tenho a honra de chamar de minha mãe e que mesmo com suas entranhas devoradas consegue me passar paz? Deus… O que é a minha mãe? É você na Terra?

E após a dolorosa e sofrida descida do caixão de meu irmão, a vida seguiu seu rumo… E depois disso nada foi como antes, como não poderia ser. Minha mãe perdeu parte de seu corpo, de seu coração… Eu perdi o sonho de não ser filho único, perdi meu melhor amigo, perdi meu irmão.

– Minha adolescência

Marcado pela morte de meu irmão, eu me sentia um ser diferente. Sentia-me mais velho do que os demais, mais vivido, mais sofrido, ao mesmo tempo em que achava que eu precisava viver a vida dos “normais”.

Foi minha mãe a grande incentivadora de todas as minhas vitórias. Comecei a tocar teclado, violão, flauta doce… Comecei a escrever poesias… Estudei e me formei em inglês. Fui o melhor aluno do colégio durante vários anos, até que o cansaço de minha mãe começou a vencê-la… E com isso eu também me deixei vencer.

E assim, depois de tantas batalhas vencidas e perdidas, o cansaço de minha mãe foi crescendo e crescendo… Depois, veio a separação de meu pai… Veio o meu abandono e a minha ignorância, pois literalmente me convenci ou me deixei convencer que ela era a parte errada da história, e não me preocupei sequer em tentar investigar totalmente o assunto.

Talvez fosse pedir demais de um adolescente que ele entendesse exatamente o que estava acontecendo, mas hoje sei que fiz muito menos do que eu poderia ter feito. Sei que me omiti, que procurei o caminho mais fácil, e esse caminho infelizmente me afastou de minha mãe. Talvez tenha sido uma espécie de defesa… Talvez eu simplesmente não fosse forte o bastante para ver minha mãe naquela situação e eu sem poder fazer nada… Eu não sei, mas fato é que se arrependimento matasse…

– A verdade

O tempo passou e minha adolescência foi embora. Deus, em sua infinita sabedoria, me fez voltar para perto de minha mãe, e me fez ver o quanto eu estava errado em tudo que eu havia feito, em tudo que eu acreditava.

A vida (Deus!) fez com que eu revisse meus valores de forma completa e absoluta. Com a vida destroçada e sem aquele futuro tão promissor que eu vislumbrava antes, eu me aproximei novamente de minha mãe. E sim, como era de se esperar de um anjo, ela me aceitou sem que eu tivesse sequer que me explicar. Que tipo de coração tem essa mulher ao ponto de me mostrar o quão pequeno eu fui sem ter mesmo que falar uma ínfima palavra? Que tipo de sabedoria tem essa alma ao ponto de crer no que nem eu mesmo achava crível, ou seja, em mim?

Viu-me caído, ferido de morte, e feito Fênix tirou a nós dois das cinzas. Encheu-se de amor, de sabedoria e de glória, e com uma paciência sem limite me trouxe de volta para o caminho da verdade e da justiça, para o caminho de Deus, caminho esse no qual até hoje estou.

O mais impressionante nisso tudo foi ver a abnegação de minha mãe. Os meus problemas se fizeram problemas dela e ela transcendeu a sua própria existência, mostrando mais uma vez o real e verdadeiro significado de ser mãe. Cuidou de mim, colou meus cacos, e eu somente sentia que em cada reparo que ela me fazia mais sua alma brilhava, feito Sol que nunca se põe, feito Lua que está sempre cheia.

E com a verdade do meu lado me fiz homem. Deixei as amarras do passado e o mundo (Deus!) voltou a sorrir para mim. Somente minha mãe poderia ter conseguido isso tudo, e ela conseguiu… Aqui estou eu.

– Hoje

Pois bem… Hoje eu sou uma economista. Trabalho em uma empresa multinacional. Faço pós-graduação. E acima de tudo sou muito feliz. A quem eu devo isso tudo? Preciso dizer? À minha mãe. Sem ela eu não poderia nem mesmo ter o computador no qual escrevo, e muito menos poderia ver na vida um campo de infinitas possibilidades. Minha mãe me ensinou, me fez ser assim, e é por isso que hoje, dia 8 de maio de 2005, eu resolvi fazer para ela uma infinita e incondicional declaração de amor. Que seja pública, que seja notoriamente óbvia e redundante, e que de alguma forma amenize os erros que eu um dia cometi.

– Para minha mãe

Sei que esse Dia das Mães é especial para você. Há menos de 1 ano você perdeu sua mãe, depois de quase 13 anos de doença. Sei que no dia de hoje, mais do que nunca, você precisa de meu abraço, de minha presença, e graças a Deus eu posso estar do seu lado para oferecer isso e muito mais.

Eu já te pedi desculpas milhares de vezes pelos erros que cometi. Não importa se estes erros foram cometidos pela minha imaturidade… Fato é que eu errei, e apesar de você já ter me dito centenas de vezes que me desculpa, ainda me sinto na obrigação de recuperar todo tempo perdido, pois eu sei que ele não volta mais.

É difícil, mãe, imaginar que eu não estive do seu lado nos momentos em que você possivelmente mais precisou de mim. É difícil imaginar que eu não fui sábio o bastante para separar o joio do trigo. E mais difícil ainda é carregar essa culpa, que você faz questão de aliviar todos os dias.

De alguma forma eu preciso mostrar para o mundo o que eu sinto. Eu preciso mostrar o orgulho gigantesco que sinto por você e por toda sua história. Preciso agradecer por tudo que você fez pelo meu irmão e por mim, na certeza de que eu não poderia, em hipótese alguma, ter sido criado de forma melhor.

Deus colocou muitas provas em nossa vida, mãe, mas nunca vi você abaixar sua cabeça. Nunca vi você reclamar de nada. Não sei de onde você tira forças para enfrentar as adversidades da vida, mas fato é que você é um exemplo a ser seguido. Mais do que minha mãe, você é um ser humano fantástico, angelical, que com certeza tem muito para ensinar por esse mundo.

Não consigo me imaginar sem você. Pensar na minha vida sem sua companhia, sem seus abraços, sem seus beijos. Como ficar sem o seu olhar, mãe? Como confiar tão radicalmente em alguém como eu confio em você? Eu não sei… Eu não sei… Nem quero falar disso agora.

Mãe, eu te amo. Eu erro e acerto, mas eu te amo. Vou te amar para sempre. Ainda que você fosse uma prostituta, coisa que nem de longe você é, eu te amaria da mesma forma, pois você é minha mãe, meu porto seguro, meu tudo.

No dia de hoje, sinta-se abraçada, beijada e acariciada por mim e por meus outros 2 irmãos que já estão no céu. Eu sei que eles estão conosco hoje e com certeza estão celebrando a honra que foi a terem como mãe. Eu, por outro lado, celebro ainda a honra de sê-lo, e desejo que isso se estenda até quando Deus permitir…

Obrigado, meu bom Deus, pela minha mãe. Obrigado por ter me dado a chance de conhecer um espírito tão puro assim. Obrigado por me fazer crescer ao lado de alguém que só me acrescentou e que fez de mim um homem de verdade. Obrigado por tudo, meu bom Deus.

Por ora é só… O resto dos presentes eu entrego pessoalmente. Que seja assim o meu Dia das Mães e que seja assim para todos, até mesmo para aqueles que já viram suas mãezinhas partirem… No dia de hoje, eu bem sei, elas estão todas na Terra, tomando conta de seus filhos queridos.

Fiquem em paz!

Mae1

Saudades de você, meu irmão! Feliz Aniversário!

Hoje, dia 19/08/2015, meu irmão Felipe Ottolini faria 39 anos. Continua sendo dia de festa, com ou sem ele. Tenho certeza de que seria o meu melhor amigo, mas Deus preferiu levá-lo cedo. Faz parte. A vida continua aqui e do outro lado. Sei que algumas vezes é mais fácil falar do que fazer, mas normalmente sinto uma paz intensa quando me lembro do meu irmão e de tudo que ele representou para mim.

É claro que ficou uma saudade dantesca! Não sei como minha mãe e meu falecido pai  conseguem/conseguiram lidar com isso. É a inversão da ordem natural das coisas. É o que a gente não espera que aconteça. É o supremo do inesperado. Só a fé em Deus para desanuviar corações que passam por esse tipo de perda.

Nos 8 anos que esteve conosco (eu tinha 12 quando se se foi), meu irmão me ensinou muita coisa. O câncer no cerebelo não o impediu de continuar a ser um guerreiro. Ele lutou até o último suspiro de vida terreno, e me ensinou, apesar de sua pouca idade, que guerreiros não desistem NUNCA!

E você aí, reclamando da vida, achando que seus problemas são os maiores do mundo. Faça como meu irmão: não desista NUNCA!

Um beijo especial a todos os pais, mães, irmãos e irmãs, que por motivos diversos, viram seus entes querido indo para perto de Deus “antes do tempo”. Que Deus os abençoe!

FELIZ ANIVERSÁRIO, FELIPE!!! TEMPO E DISTÂNCIA SÃO NADA ENTRE NÓS!!!