Baiuca

Entrego-me a teus carinhos de sempre,

Que hoje me tocam como nunca.

Deixa-me repousar em teu ventre,

Com teus dedos em minha nuca.

Livra-me do mal que me espreita,

Cuja dor parece que não caduca.

Rogo tão só a tua presença,

Para que eu não me afogue em alguma reles baiuca.

Invariavelmente

E no final,

O rastilho falhou.

Dizem que foi obra

De Nosso Senhor

E disso eu não duvido.

Nada explodiu,

Ninguém morreu –

Doeu, mas já passou –

Que fim tudo levou?

Eu não sei

E só quando sei

É que digo.

Talvez haja explicação –

Talvez não –

Mas se esta existe,

Não está de bem comigo.

Vou ser mesmo é trovador

E falar por aí do amor,

Daqueles que ninguém

Nunca sentiu

Ou nem mesmo falou,

E que toda noite,

Invariavelmente,

Dorme comigo

E serve-me de abrigo.

Hermético

A arte não pode ser silenciada,

Porque o amor urge e grita,

E a vida,

Tão passageira e efêmera

Quanto parece ser,

Está sempre em chamas.

O que eu nego que me aconteça,

Ainda assim não deixa de me acontecer.

E o que eu sinto –

E que só eu sei que verdadeiramente sinto,

Quer seja por anos ou instantes –

Está além de censura

E de toda e qualquer opinião.

Eu existo.

Parece-me o bastante.

Resta me tudo, então:

Apenas viver.

Inerte

Hoje,

Vou deixar tudo para amanhã.

Porque hoje,

Meu foco é o ontem.

Quero lamentar tudo que não fiz.

Quero sofrer por tudo que não aconteceu.

Hoje,

Vou deixar tudo para amanhã,

E o amanhã será assim também.

Há esperança

Dizem que os passarinhos,

Em suas gaiolas frias e apertadas,

Cantam porque estão tristes.

Eu já penso que não.

Eles cantam, cantam e cantam,

Porque ninguém consegue

Aprisionar ou calar neles a esperança

De que haverá melhores dias.

Você merece!

Se perdoe, vai…

Se perdoe e vá.

Pois a vida é curta

E o tempo é breve.

Mas as memórias e os sentimentos,

O calor e a cor dos momentos,

As nuances dos tempos,

São perpétuos

E transcendem jazigos perpétuos.

Se perdoe, vai…

Você merece.

Simplesmente vá.

Vitrificado

Fascinam-me os pássaros,
Flutuando ao lado da ponte
Sem precisar bater suas asas
À mercê da magia do vento.

Fascina-me a ponte
Que serve de refúgio aos pássaros
Imponente diante da paisagem
À mercê da magia do tempo.

Fascino-me eu comigo,
Diante dos pássaros e da ponte
Diante do vitrificado horizonte
À mercê de Deus adiante eu sigo.

Agora

Se não sentires vontade de falar comigo quando Morfeu te devolve ao mundo ou mesmo quando ele se prepara para novamente receber-te, vai-te embora.

Se a músicas que ouvimos tantas e tantas vezes juntos não te remetem aos inúmeros pequenos e grandes momentos que vivemos juntos, vai-te embora.

Se a calor do sol que esquenta a tua pele não fizer com que te lembres de todas as loucuras que já vivemos na cama (e em outros lugares também), vai-te embora.

Se os aromas e gostos que tanto nos diziam não forem capazes de fazer com sintas frio na barriga ou arrepios na pele, vai-te embora.

Se eu não estiver na lista daqueles que surgem na tua mente quando estás com um problema ou simplesmente porque precisas desabafar, vai-te embora.

Talvez eu implore para que fiques. Vai me doer, vai me fazer sangrar, mas insisto: vai-te embora.

Porque há muito mais no mundo esperando por mim. Eu sei que há, pois já passei por isso antes. Talvez passe por isso novamente. Eu não sei. Só vai-te embora, porque é chegada a minha hora e a nossa hora morreu de inanição.

Mas acima de tudo, vai-te embora, porque não preciso da tua pena. Não preciso da tua misericórdia. Não preciso da tua caridade, porque sei que ainda que eu caia, jamais ficarei no chão. A verdade não é capaz de me matar. Nunca será.

E se assim for, vai-te embora, porque a tua presença impede o milagre do porvir e de tudo que preciso para viver e me sentir vivo.

Eu quero tudo e quero muito. E quero agora, porque eu vivo e sou o agora.

E agora, vai-te embora. Sem demora. Há pressa diante do que a vida ainda tem para mim.