Carla

– Mãe, preciso falar com você.
– Já disse para você ir no médico de Uber!
– Mas não seria melhor você ir comigo?
– Por mim você nem iria! Essa coisa de Psiquiatra é invenção da sua tia! E deixa eu continuar a falar com sua avó!

“Vou tentar meu pai”

– Pai, eu queria que você fosse no médico comigo amanhã…
– Eu estou em reunião! Agora não dá!
– Mas pai…
– Depois a gente conversa!

“Vou tentar minha irmã. É fácil saber que ela está em casa. O cheiro dessa coisa que ela fuma é insuportável!”

– Júlia, você pode ir no médico comigo amanhã?
– Sai fora, fedelha! Tenho mais o que fazer!
– Mas eu não quero ir no médico sozinha!
– E desde quando eu sou sua mãe? Se enxerga!

Carla tinha 13 anos. Foi criada em uma família típica do século XXI. Pai e mãe ausentes, família dispersa. Grande parte do que aprendeu foi com os amigos. Alguns bem intencionados. Outros nem tanto. Gostava de animes e passava grande parte do seu tempo depois das aulas no WhatsApp. Era o que ela tinha para fazer.

Seus pais nunca cobraram dela nada relacionado a seus estudos. Nunca foram em uma apresentação ou evento na escola. O sonho dela era ser bailarina. Ninguém da família sabia que ela tinha esse sonho. Era como se ela não existisse.

No dia seguinte, ao entrar no Uber, o motorista ficou assustado.

– Seus pais sabem que você está aqui?
– Foram eles que mandaram eu ir de Uber para o médico.
– Você está doente?
– Não sei… Não tenho dormido direito. Não sinto vontade de fazer nada.
– É melhor ir ao médico mesmo…

E chegando no prédio do Psiquiatra, Carla não sabia qual era a sala. E como era bem baixinha, foi difícil para o porteiro atrás do balcão entender a pergunta dela. Ela era tímida. Falava para dentro e quando se via diante de algum conflito, se calava.

– Carteirinha do convênio e identidade, por favor.
– Eu trouxe só minha identidade. Tá aqui.
– Vai ser particular?
– Não sei. Deixa eu perguntar para a minha mãe.

Ligou uma, duas, três vezes para a mãe e para o pai. Ninguém atendia suas ligações. Resolveu ligar para a tia, que pediu para falar com a atendente.

– Tudo certo. É só aguardar.

Carla ficou vendo TV enquanto esperava. Estava passando uma novela antiga. As pessoas olhavam para ela intrigadas. Afinal de contas, o que uma garotinha tão nova estava fazendo em um consultório de Psiquiatria desacompanhada?

Fez a consulta. A médica perguntou da vida dela em geral. Perguntou porque estava ali sozinha. Ela explicou que os pais trabalhavam muito. Na verdade, ela estava com vergonha de dizer que não tinha qualquer tipo de atenção ou suporte em casa.

A médica receitou dois remédios. Um deles era tarja preta. Entretanto, ela disse que só daria as receitas para algum dos seus responsáveis legais.

– Puta que pariu, Carla! Vou ter que passar aí para para pegar as receitas? Você só me dá trabalho!

O pai foi até o consultório para pegar as receitas e falou com a médica. Enquanto ela explicava a questão da Carla e falava sobre os medicamentos, o pai estava com a cabeça no encontro que teria com uma amante mais tarde. O pai da Carla tinha um amante. A mãe também. Eles não faziam questão alguma de esconder isso. Não se divorciavam apenas por questões financeiras.

– Tá vendo? Treze anos e já tomando remédio! E depois sou eu a filha problemática, né Carlinha? É por isso que eu fumo meu baseado. Fico zen e não tenho nenhuma neura.

– A sua tia adora se meter na sua vida e na vida da sua irmã. Diz que somos pais ausentes! Ela é louca! Na hora de segurar os BOs, desaparece. Bom… Tem comida em cima do fogão. Estou indo para a academia. Depois teu pai explica para você como tomar esses remédios.

Carla não ligou para o pai. Sabia que ele estava ocupado. Ligou para a farmácia e pediu os medicamentos. Teve que preencher um formulário azul e entregar a cópia de uma das receitas. Pagou com o cartão do pai. Ela sabia a senha. Aliás, ela podia comprar tudo que quisesse. Ninguém reclamava. Era como seu o dinheiro fosse infinito. Também sentia que era uma maneira de seus pais tentarem, de alguma forma, suprir as inúmeras ausências que marcaram a sua vida.

Foi procurar na Internet para que serviam os remédios. Deu de cara com termos tipo depressão, bipolaridade, transtorno de personalidade… Não entendeu muito, mas resolveu tomar os medicamentos de acordo com a orientação de médica.

Em pouco tempo, se sentiu sonolenta. Dormiu com a roupa que estava. Esqueceu de colocar o relógio para despertar para ir ao colégio.

Acordou bem disposta. Há tempos não acontecia dela dormir uma noite inteira. Era como se o remédio fosse milagroso. E mesmo sem falar com a médica, descobriu que um dos remédios era perfeito para ela esquecer da vida. Dormindo, ela esquecia de tudo. E passou a se automedicar. Encontrou, finalmente, uma maneira efetiva, rápida e fácil de lidar com seus problemas.

– Estamos aqui neste dia diante de Deus pai todo poderoso para sepultar o corpo de Carla…

Os amigos do colégio estavam inconformados. Não aceitavam a possibilidade da Carla ter tirado a própria vida. Muitos se culpavam e diziam que deveriam ter dado a ela mais atenção. Uma cena realmente muito triste.

A tia da Carla chegou aos prantos e não poupou xingamentos aos pais da menina. Tentou agredi-los fisicamente. Foi contida por outros parentes.

Os pais, cabisbaixos, disseram apenas “A gente não sabia que isso estava acontecendo”.

E foi a primeira vez que eles falaram a verdade desde que Carla nasceu.

———-

E se você chegou até aqui por estar com problemas, lembre-se que você é importante! Há muita gente que te ama mesmo que isso não esteja claro. Você é forte e Deus está a teu lado neste momento. Procure ajuda!

Centro de Valorização da Vida

www.cvv.org

Telefone: 188

Esta é uma obra de ficção.

Maldade

A saudade bate forte no peito.
Não avisa quando chega,
Mas chega, dizendo que a distância,
Ou mesmo nossa ignorância,
Não são fortes o suficiente para nos separar.

E procuramos no mundo,
Algo que seja forte o bastante,
Para calar nosso desejo,
Nosso amor, nossos beijos,
Nossa dor, nossa solidão.

Mas o amor é implacável,
Invencível, tenaz, inquebrável,
E insiste em dizer, todo os dias,
Nas manhãs enevoadas e vazias,
Nas noites tão frias e baldias,
Como é viver sem nos ter.

Saudade,
Sim! Muita saudade,
De tudo o que fomos,
Pois o que somos,
É pouco, muito pouco,
Quando dizemos que o amor está morto,
Muito antes dele morrer.

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Aquele que te amava

Eu era só aquele que te amava
Em qualquer tempo ou lugar
Na frente de tudo
Na frente de todos
Diante de mim

Eu era só aquele que te amava
Que esperava por um sinal
Um breve olhar
Um mínimo sorriso
Para viver o meu dia

Eu era só aquele que te amava
Que comemorava tuas vitórias
Tais como se fossem minhas
E ficava eufórico em te ver crescer
E em de alguma forma te fazer feliz

Eu era só aquele que te amava
Sem julgamentos ou motivos
Sem limites ou barreiras
Amor daqueles brutais
Amor de todas as maneiras

Eu era só aquele que te amava
Que se importava
Que chorava e sorria
Que era poesia
Que era lido e guardado

Eu era só aquele que te amava
Que fazia do impossível
Sempre, sempre possível
Para te ter ao meu lado
Para te fazer feliz

Eu era só aquele que te amava

Eu era só.

Dia dos Namorados – 2019

Então, você está com a buzanfa sentada no sofá e reclamando da vida por estar sozinho(a) no dia de hoje. Você lembra dos filmes da Sessão da Tarde, do(a) ex e sente saudades de tudo aquilo que ainda não viveu (inspiração poética by Neymar). Reclama da vida, culpa todo mundo (menos você) por essa sua “solidão” e compra 15 Kg de chocolate de uma marca obscura para comer enquanto chora feito uma criança.

Vamos parar com isso, né? Há tanta gente acompanhada por aí que está sozinha. Quer dizer que você realmente acredita nos sorrisos e fotos do Instagram e do Facebook, onde tudo é perfeito e as pessoas são 100% felizes? Quer dizer que a única pessoa infeliz no mundo é você?

ACORDA! Ao invés dos 15 Kg de chocolate e de se lamentar como se fosse a pior criatura do mundo, que tal se preparar para ser a melhor versão de si mesmo(a) para atrair para a tua vida alguém que de fato esteja a tua altura e que te mereça? Sim, você tem valor! Você é ÚNICO(A). E com certeza há alguém no mundo esperando por alguém feito você.

Sai de casa! Vai para a academia! Vai tomar um chopp com os amigos! Larga essa merda de celular e vai viver! E assim, quando você menos esperar, você vai dar de cara com aquela pessoa que você nem sabia que existia. Repetindo: sim, ela existe, e está em algum lugar esperando por você.

A opção é inteiramente tua. E lembre-se SEMPRE da frase abaixo…

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Quaisquer

Não te amo por amar-te

Amo-te porque me fazes bem

 

Fosse de outra forma

Serias apenas mais uma

Na multidão de mais umas

Que não se cansam de serem mais umas

 

Mas de maneira alguma

Sinto que sou de alguém

Eis que tenho certeza, meu bem

De que a solidão

Por ora

Até que me cai bem.

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Cinzeiro

Não te assustes, meu bem

Se um dia, ao acordares

Vires o meu lado em nossa cama

Frio e vazio

Fui-me

Precisei ir

 

Sem aviso formal

É fato

Mas vou-me por não me sentir útil

Vi minha vida por teu amor

Por nosso amor

Por nossos planos

Muitos, muitos anos

Ser rasgada a seco

Deixada ao vento

E com fome e frio

Perdida no tempo

Tudo feito e desfeito

Esforço impróprio

Vida pueril

Vida inútil

 

Mas declaro

Que fique claro

Que não sou algoz

E muito menos vítima

Mas eu sou fogo

Sou brasa

O combustível

O comburente

Sou a flecha

E o arqueiro

E não cigarro

Ou mero trago

Ou mesmo cinzas de qualquer cinzeiro

 

Aproveito a oportunidade

Para oferecer-te minhas sinceras desculpas

Não sei exatamente onde errei

Se foi por dar-me como me dei

Ou se foi por sonhar como sonhei

Fato é que agora sei

Que eram meus

E tão somente meus

Os nossos sonhos

E neles nos amávamos

E eu amava

Eu sempre amei

 

E na solidão agora desacompanhada

De minhas horas

Teu nome em minha memória

Saudade que condena e sufoca

Nevoeiro de lágrimas

Que derramam-se em um livro

De uma só página

Um resumo do nosso amor

“Acabou”

Era só fumaça

Mais nada.

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Arco Reflexo

E chega a sexta-feira

As taças de vinho

A garrafa na mão

Sento-me

Bebo sozinho

Bebo-te até não sobrar

Uma gota que seja de ti

 

As unhas vermelhas

O elixir tinto

As lembranças que sinto

Os sonhos vivos

Faíscas e centelhas

 

É involuntário

Fisiologicamente necessário

 

A gota de vinho

Que escorre pelo meu peito

Tem teu gosto e cheiro…

 

Não, não há solidão!

Estou contigo

E não, não há perigo…

Sorrio –

Revejo meus lábios no teu umbigo.

beijo-no-umbigo

Ninguém

Quando eu era criança

Eu tinha medo de dizer as coisas

E agora que não tenho mais medo

Não há ouvidos para ouvi-las

 

Ninguém me ouve

Gritar não adianta

Ninguém me ouve

Ninguém

 

Talvez virar adulto seja isso

Ou talvez o mundo seja

Bem pior do que pode

Imaginar uma criança

 

Ninguém me ouve

Ninguém

 

Fui criança

Fui esperança

 

Ninguém me ouve

Ninguém

 

A solidão acompanhada

É a mais dura pena

Que pode ser imposta

A um ser humano

 

Quando ninguém me ouve

Eu me torno ninguém

Nem eu me ouço

Ninguém.

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