Diga-me, mar, O que fazer Com estas ondas de felicidade que me banham, Que não sei se são pura ressaca Ou se é assim que agora hão de ser.
Diga-me, mar, Se do amor já é chegado o tempo, Para em tuas águas recomeçar Rumo ao destino por mim desejado, A mercê do poder e da força dos teus ventos.
O amor não acaba de repente. Vai desaparecendo aos poucos, em câmera lenta, e não morre. Simplesmente deixa de existir. Se transforma em nada.
Você pensa em ligar, em mandar mensagens, mas como você sabe qual rumo a conversa irá tomar, dá preguiça. Vira para o lado e dorme.
Você vê uma foto que já disse muito e que já foi até a foto de fundo do seu celular, mas simplesmente a apaga. Não há porque mantê-la.
Você ouve aquela música, que era a música do casal, e não cai uma única lágrima. O peito não aperta. Nada de borboletas no estômago. A música não mais desnuda a tua alma. Por melhor que seja, vira só mais uma entre tantas de uma quase infinita playlist.
Você muda de assunto quando falam do passado. Não porque não goste de falar de algo que foi doloroso em tua vida, mas porque não há mais nada a ser dito. Você não quer mais a tua presença ou a tua imagem associada com quem ficou para trás.
Você sente aquele perfume antigo, que já te disse tanto, se tornar apenas mais um entre tantos. Se liga em novos cheiros, em novos gostos, em novas combinações, e fica animado com as possibilidades.
Você se deixa tocar por outra pessoa. Beija, abraça, fala de tesão, paixão, amor. Vai para a cama e não sente a sensação de estar traindo alguém. Está só vivendo e sendo feliz. Sem pressa. Sem desespero. É você com quem estiver com você e mais nada.
Você reencontra velhos amigos, marca 300 eventos, e em cada um deles se sente plenamente presente, integral. Esquece onde deixou o celular. E se termina a noite chorando, é porque bebeu demais e lembrou da tua falecida bisavó dando sermão no grupo de crianças chatas das quais você fazia parte.
Você se olha no espelho e se sente bem em tua companhia, tranquilo, em paz com a tua consciência e em paz com as tuas escolhas e lembranças. Está seguindo em frente sem olhar para trás.
Difícil escrever um texto sobre o que não mais existe. Ainda assim, este texto é sobre o nada, porque foi no nada que me encontrei e em seguida encontrei tudo.
O cheiro da broa de milho O café sem pressa Os vizinhos sempre bem-vindos Era assim quando eu era menino E acreditava em coisas à beça
O café agora é espresso Os vizinhos? Desconheço A porta da rua sempre trancada A broa de milho é da padaria E a violência é a notícia do dia
Saudades da época em que eu achava Que tinha tempo a perder Do avô, da avó, dos tios, dos primos Da sensação de não correr perigo De ver no mundo um grande e acolhedor amigo
E nesse instante – Agora! – Enquanto meus pensamentos vão Para um passado distante O tempo parou de seguir adiante E para mim voltou
É que eu ainda sou o menino Que se inebria Quando sente o cheio de erva-doce E que queria que a vida fosse Sempre uma tarde de domingo.
Passei um tempo Olhando para baixo Cabeça arriada Olhos amoados Sorriso dormente Peito apertado Pés no chão
Passei um tempo assim Tomando coragem Fazendo cara de paisagem Com receio de encarar a verdade
Foi um tempo que me dei Tempo que eu precisava Para me dar conta Que o horizonte Que eu conhecia Era por mim desconhecido
Eu era uma piada pronta E de mim só Deus não ria
Salvou-me a fé E a vida continua Meus olhos fixos no horizonte Que ainda hoje desconheço Mas reconhecer a minha ignorância Já me parece um grande recomeço.