Cabelos brancos

A senhora esperava os carros pararem

Para que ela pudesse atravessar a rua.

Tantos carros –

Muitos carros! –

Nenhum deles a sentia.

A pressa deixava todos cegos.

Cegos que viam cabelos brancos,

Dificuldades nos movimentos,

E anos e mais anos e mais anos.

E a senhora ali,

Desnorteada,

Diante da ingratidão do mundo

Que ela mesma ajudou a construir.

Na flor da idade

Estão cortando uma árvore em frente a minha casa

Planejamento urbano? Futuro?

Frondosa, com profundas raízes

Indefesa diante do “progresso”

 

Não é bem isso que fazemos com nossos idosos

Quando eles se tornam um empecilho?

Fonte inesgotável de sabedoria

Os afastamos de nossas vidas

 

Dói menos assim, não é mesmo?

Aos poucos, nosso coração se esquece

De quem nos deu sombra, de quem nos fez mingau

De quem nos cuidou e protegeu com sua própria vida

 

Eu sou essa árvore

Eu sou esses idosos

E se algum dia eu for parar em um asilo

(Sente-se melhor se eu chamar de Casa de Repouso?)

Vou ficar tranquilo

Doente ou sadio

Lúcido ou não

Estarei a poucos passos de encontrar a Deus

 

E é por isso que eu sempre digo:

Nasci de cabeça para baixo

Minhas raízes não estão na terra

Estão e crescem em direção ao céu.

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