Antônio

Segunda-feira. Antônio acordou bem cedo e feliz. Finalmente chegara o dia de iniciar o seu estágio em uma repartição pública. Diga-se de passagem, estágio obrigatório para a sua formatura.

Fez a barba e colocou a sua melhor roupa. Caprichou no perfume. Deu um beijo na mãe e saiu correndo para não chegar atrasado no primeiro dia, ainda mais porque precisava pegar dois ônibus para chegar até a empresa.

Chegou com 45 minutos de antecedência. Não havia uma viva alma no lugar. Apenas um vigia que não podia deixa-lo entrar porque ela ainda não tinha crachá.

Aos poucos, os funcionários e estagiários foram chegando. Ele se dirigiu até a portaria para pegar algum tipo de identificação, mas como o time do RH só chegaria na parte da tarde, recebeu um crachá de visitante e em seguida foi levado até a sala do seu novo chefe.

O chefe o recebeu com entusiasmo. Disse que havia uma mesa e um computador esperando por ele. A tal mesa estava abarrotada de processos, e o chefe se sentou a seu lado para explicar quais os critérios para um processo ser aprovado.

“Parece fácil! Vou dar tudo de mim e terminar logo com isso tudo!”

Os outros funcionários do departamento não pareciam muito empolgados. Fumavam e bebiam café o dia inteiro. Volta e meia sentavam em suas mesas e por lá não ficavam mais do que 30 minutos. Tinha até gente fazendo unha em pleno escritório.

Acabou esquecendo de almoçar e terminou de verificar todos os processos que estavam em sua mesa. Viu alguns olhares atravessados em sua direção, mas não entendeu exatamente do que se tratava. Como já havia passado mais de 30 minutos do fim do horário do seu estágio, foi-se embora. Não antes de falar com o seu chefe, claro, mas foi informado que seu chefe já havia ido embora logo depois do almoço.

Nem os dois ônibus de volta o incomodaram. Comeu alguma coisa em uma birosca na frente da faculdade (era bolsista – passou em primeiro lugar na prova de seleção) e foi para a aula. Chegou em casa acabado, por volta das 23h00. Foi dormir feliz.

No dia seguinte, ao chegar ao escritório, foi chamado pelo seu chefe.

– Antônio, você está de parabéns! Em um dia só acabou com todos os processos que estavam na sua mesa!
– Obrigado, chefe! Eu sou novo aqui e estou querendo mostrar o meu valor…
– Eu entendo, Antônio, mas veja… As coisas aqui seguem um determinado ritmo. Não adianta a gente acelerar todos os processos aqui para eles ficarem em espera no próximo departamento para o qual irão, entende?
– Mas se precisar, eu posso ajudar lá no outro departamento também!
– Sim, claro, mas eles já tem um estagiário lá. Eu não posso permitir isso. Vamos fazer o seguinte, então… Não mais do que 10 processos por dia, ok?
– Mas já há uns 20 em cima de minha mesa só de hoje…
– Sim, mas vá com calma. De 10 em 10 todos os dias, ok?

Antônio saiu frustrado da sala de seu chefe. Em menos de uma hora e meia deu conta dos tais de processos e ficou sem ter o que fazer. Perguntou se algum dos seus colegas de trabalho precisavam de ajuda, mas nenhum deles aceitou a oferta.

E assim foi na quarta e na quinta-feira também. Até que na sexta-feira, ao chegar a sua mesa de trabalho e abrir sua gaveta, percebeu que havia um envelope com 500 Reais. Ele achou estranho, porque o RH havia pedido a sua conta corrente (que ele nem tinha antes de estagiar), e por isso foi falar com o chefe.

– Bom dia, chefe! Encontrei este envelope com 500 Reais na minha gaveta. O senhor sabe de quem é esse dinheiro?
– É seu, Antônio! É seu.
– Não é! Eu tenho certeza.
– Antônio, deixa eu ser um pouco mais direto: para trabalhar aqui, este dinheiro precisa ser seu, entende? É a regra. Vale para todo mundo. Agora, vá fazer o seu trabalho.

Antônio saiu da sala do chefe cabisbaixo. Entendeu bem o recado: para trabalhar ali, ele precisava participar do esquema.

Pegou o envelope, o colocou de volta na sua gaveta, pegou suas coisas e foi embora. Ao passar pela portaria, deixou o seu crachá de visitante. Olhou para o prédio e pensou:

“Eu realmente era só um visitante.”

Chegando em casa, recebeu um abraço apertado do seu pai e da sua mãe. Muito humildes, choraram ao perceber que seus valores tinham seguido adiante na figura de seu filho. Seu pai disse:

“Estamos muito orgulhosos de você. Temos certeza que Deus também.”

Na semana seguinte, conseguiu um outro estágio. Hoje, é casado e tem dois filhos, e junto com sua esposa e passa adiante o que recebeu de berço, diretamente se seus pais.

Você está à venda?

Quanto da sua alma, dos seus princípios e valores, das suas crenças, dos seus amores e dos seus sentimentos, dos seus desejos e das suas paixões, do seu caráter e da sua integridade, você trocaria por dinheiro?

O bem aquece a vida

No Centro de Niterói/RJ, durante a década de 1970, meu avô saía de casa aflito todas as vezes que chovia e ventava muito forte. Ele saía com uma caixa de papelão nas mãos, e um dia me chamou para ir com ele (para o desespero da minha mãe, pois eu era muito novo).

Fomos em direção à casa que abrigava a prefeitura na época, que era completamente cercada por árvores enormes. Diante delas, vi meu avô se abaixando e recolhendo o que pareciam ser pequenos frutos das árvores. Não eram. Eram pequenos pardais desfalecidos por conta da tempestade.

Então, já com a caixa cheia dos pequenos pássaros, meu avô voltou para casa, cobriu a caixa com um cobertor e a colocou no forno, em temperatura bem baixa e com a porta aberta. Instantes depois, meu avô retirou a caixa do forno e eu comecei a ouvir inúmeros e intensos piados. Quando a chuva passou, meu avô retirou o cobertor de cima da caixa, bem perto da janela da cozinha, e dezenas de passarinhos fortes e aquecidos, voaram pela janela em direção ao infinito, em direção à vida.

Aprendi ali com meu avô, bem cedo, que mesmo sem que um pardal lembrasse do meu avô ou se mostrasse minimamente grato a ele, o prazer de ver os pardais voltarem a voar significava para ele absolutamente tudo. Ele praticava o bem e o bem era a sua própria recompensa. Era evidente nos seus olhos e no sorriso que esbanjava para si mesmo.

Que nossos corações e nossas atitudes sejam como a caixa, o cobertor e o forno do meu avô. E que possamos fazer o bem sem esperar nada de ninguém, na certeza de que ver o outro se levantar diante de uma dificuldade é um dos mais sublimes experiências que podemos ter na vida.

Saudades de ti, Afonso Fonseca, meu adorável e inesquecível avô. Obrigado por ter me ensinado tantas e tantas vezes o que verdadeiramente vale a pena na vida.

Você é “forte” ou “fraco”?

Você já se viu diante de uma situação onde teve que escolher entre alguém “forte” e alguém “fraco”?

Sei que esta pergunta pode parecer estranha em uma primeira leitura, mas este é um dilema real que muitas pessoas enfrentam diante de manipuladores.

Em geral, o manipulador se apresenta como alguém fraco. Demonstra apatia e incapacidade de lidar com o mundo real. É sempre vítima das pessoas e das circunstâncias. Frases típicas: “Eu não vou aguentar passar por isso…”, ou “Nunca mais vou me recuperar…”, ou mesmo ameaças diretas ou indiretas de suicídio.

A pessoa vista como fraca é o “café com leite” da família, do ambiente de trabalho, da roda de amigos, e até mesmo nos relacionamentos românticos. Em geral, consegue o que quer através da culpa que consegue infligir nos outros que, comovidos com a sua declarada fraqueza, pensam que o único caminho para aquela pobre alma é a plena satisfação de suas vontades, por mais absurdas que estas sejam. E é aí que reside o problema.

A diferença entre o fraco e o forte é, na maioria das vezes, apenas uma questão de atitude. O dito forte é apenas uma pessoa que sabe que vai ter que matar um leão por dia e que se fazer de coitado ou mesmo conseguir algo por se comportar de maneira covarde é indigno. O forte, acima de tudo, tem dignidade, tem brio, ainda que precise ou deseje uma coisa muito mais do que um dito fraco. A diferença é que o dito forte jamais será capaz de se utilizar de qualquer ferramenta que viole o seu código de conduta, bem como a maneira que se vê e como quer ser percebido pelo mundo em que vive.

O paradoxo dessa situação? Quanto mais objetivos a pessoa dita fraca alcançar através da manipulação, menos forte ela precisará ser. Com o tempo, aumentará consideravelmente o seu repertório de ardis e sua capacidade de tocar (ou pelo menos de tentar tocar) nos pontos fracos (culpa, pena, dó, piedade, valores religiosos) de quem deseja manipular. Já a pessoa tida como forte, aprenderá com suas experiências, quer sejam derrotas ou vitórias, e aumentará a sua força e a sua coragem, na certeza de que obter o que deseja obter por conta do seu esforço direto é o único caminho possível a ser seguido.

Não comecei este texto colocando entre aspas as palavras forte e fraco por mero acaso. Só é fraco quem nunca precisou de fato ser forte e quem teve exemplos bem próximos de manipulação e covardia.

DISCLAIMER: O meu texto é sobre pessoas funcionais e não acometidas de algum tipo de patologia ou transtorno psiquiátrico, muito embora a vida tenha me ensinado que até estas pessoas precisam e devem fazer algum tipo de esforço para se curarem em definitivo.

Estado de natureza ou mau caratismo?

Não. Nem todo mundo é capaz de roubar porque está com fome. Nem todo mundo é capaz de matar porque foi traído. Nem todo mundo é capaz de agredir ou ameçar porque se viu contrariado. Nem todo mundo é capaz de mentir para conseguir o que quer ou para esconder quem realmente é. Não. Definitivamente não.

Pelo contrário. Essas generalizações são típicas de quem não sabe (ou não aceita) o que é um contrato social (leia-se Hobbes, Locke e Rousseau) e que vive em eterno “estado de natureza”*, sob a justificativa de que supostos direitos e liberdades individuais devem se sobrepor à vida em sociedade e ao bem coletivo.

A sociedade evoluiu o suficiente ao ponto de definir valores e limites (moral e ética), criando um mediador para os conflitos: o estado. Portanto, o “estado de natureza” não é mais uma opção, e a frase homo homini lupus, no seu sentido amplo de “os fins justificam os meios”, é apenas uma falácia para justificar o mau caratismo e a falta de integridade.

E assim sendo, antes das pessoas sairem por aí justificando os seus comportamentos reprováveis, inaceitáveis e inadmissíveis sob a égide das circunstâncias, convém fazer uma revisão de suas bússolas morais e éticas. Nem todo mundo é capaz de tudo. E é justamente essa linha nada tênue que separa o bem do mal, e consequentemente, os bons dos maus. Qualquer tentativa de descaracterizar esse corolário é relativismo para uso em proveito próprio.

* O estado de natureza é uma abstração teórica. Um momento anterior ao surgimento de qualquer tipo de organização social e do Estado Civil.

Dia dos Pais – 2021

Não quero presente neste dia. Quero estar presente e estou presente na vida da minha filha. Isso é tudo que realmente me importa e me define como homem, como ser humano.

A paternidade é uma benção incomparável. É uma espécie de super poder, e bem sabemos que com grandes poderes, surgem as grandes responsabilidades.

E é assim na minha vida: minha filha em primeiro lugar. Educa-la e fazer dela um ser humano de bem é a minha maior prioridade e responsabilidade. Eu a crio para o mundo, muitas vezes para enfrentar situações que eu sequer tive que enfrentar (mundo diferente, gerações diferentes), se utilizando dos valores que eu considero corretos (sou cristão) e que faço questão de que ela leve consigo.

Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos.

Pitágoras

E nesse sentido, no Dia dos Pais, gostaria de convidar aos pais (e mães também) para uma reflexão. Estariam os pais exercendo a sua obrigação de educar os seus filhos ou deixando tal indelegável e inadiável tarefa para a escola, para os meios de comunicação e para ativistas de todos os tipos, que muitas vezes estão até mesmo dentro das escolas? Estariam os pais sendo pais ou apenas provedores financeiros? São perguntas que já me fiz, que creio serem perguntas que todos pais deveriam se fazer.

É importante deixar claro que os nossos filhos serão educados de uma forma ou de outra. Na medida em que os pais abrem mão de educar seus filhos, outros farão esse papel, muitas vezes contra os melhores interesses de nossas crianças e adolescentes.

Se queremos um futuro melhor para os nossos filhos, é importante que este futuro melhor comece e esteja dentro deles. Os ditos movimentos progressistas veem nossos filhos como massa de manobra a ser doutrinada e utilizada de acordo com suas ideologias. Foi para isso que colocamos nossos filhos no mundo? Eu tenho certeza que não.

Então, fica o alerta: sejam pais! Participem! Se interessem! Lutem pelo que acham certo para seus filhos! E estarão fazendo isso não só pelos seus próprios filhos, mas também para a nossa sociedade como um todo. Tenho certeza de que, no futuro, seus filhos e os filhos de seus filhos agradecerão por isso.

Feliz Dia dos Pais!